Crítica – Resident Evil (1ª Temporada)

Resident Evil, enquanto franquia, sempre foi mais forte quando mudou sua fórmula. Resident Evil 4 é facilmente um dos jogos mais influentes de todos os tempos, e a mudança para o formato em primeira pessoa também se mostrou proveitosa, com Village vendendo mais de 6 milhões de cópias. O sucesso também foi replicado, de certa forma, no audiovisual. Apesar de pouco seguir a linha dos jogos, a saga orquestrada por Paul W.S Anderson e protagonizada por Milla Jovovich rendeu seis filmes, com bilheteria total de mais de um bilhão de dólares.

Logo, RE é, primeiramente, flexível, possuindo uma variedade de opções para se encarar o universo da Umbrella e daqueles que lutam para combatê-la. Assim, é impressionante que a série Resident Evil da Netflix seja tão inepta em trazer esse universo tão rico e vasto para as telas.

A produção é dividida em duas linhas temporais. Em 2022, acompanhamos a família Wesker, composta pelo pai, Albert (Lance Reddick), e as gêmeas Jade (Tamara Smart) e Billie (Siena Agudong). O trio está de mudança para Nova Racoon City, cidade construída e controlada pela Umbrella, abrigando todos os funcionários da empresa. Entre problemas familiares e escolares, as jovens começam a se envolver com os segredos sombrios da companhia. Já em 2036, o mundo foi tomado pelos zumbis, e a população humana foi reduzida à 300 milhões de pessoas. Jade (Ella Balinska, na fase adulta) quer encontrar uma solução para impedir o fim da humanidade, enquanto segue fugindo da Umbrella.

Esses dois eixos tem atrativos diferentes. O “presente” está mais interessado no mistério, no descortinamento das atividades ilegais da Umbrella e afins, visto por meio dos olhos de duas adolescentes e de uma das figuras mais importantes da franquia, Wesker. Enquanto o futuro é o típico cenário de fim do mundo, com diversas facções tentando sobreviver em um mundo inóspito.

Já deixo claro que as duas falham em suas propostas, por motivos diferentes, mas um deles atravessa todos os episódios e linhas temporais: o humor bizarro e sem graça. Antes de assistir à obra, tive contato com duas cenas específicas, uma em que Jade, na adolescência, afirma ler “pornografia de Zootopia” e outra com uma personagem dançando ao som de Dua Lipa. Descontextualizadas, são cenas, no mínimo, estranhas, e dentro da série, constrangedoras. Humor sempre teve lugar em Resident Evil, mesmo que involuntário, mas a produção da Netflix parece ter se convencido que qualquer bizarrice aleatória constitui algo engraçado. Não é o caso.

Falando das linhas temporais separadamente, como disse anteriormente, a trama de 2022 é voltada para o mistério, para as descobertas de Billie e Jade. No momento que escrevo esse texto, faz aproximadamente uma hora que acabei de assistir todos os oito episódios da série. Caso alguém coloque uma arma na minha cabeça e pergunte o que é exatamente descoberto de tão importante nesse plot, eu não saberia dizer. A Umbrella ser maligna é algo perceptível pelos acontecimentos do futuro, então criar suspense em torno disso não faz sentido. A existência de Wesker só se torna curiosa para as pessoas familiares ao jogo, especialmente diante da insistência do showrunner Andrew Dabb de que a série se passa no mesmo mundo dos games. Tudo que acontece parece simplesmente reafirmar o que já se sabe. Entre uma “revelação” e outra, temos as tribulações da vida adolescente, com Billie sofrendo bullying, Jade tendo interesses românticos por outra pessoa, e afins.

Em 2036, apesar de ser um pouco mais empolgante – um ataque de lickers sendo o ponto alto – acaba caindo em certa repetição, com Jade sempre sendo capturada por alguém após uma sequência de perseguição, algo que acontece pelo menos três vezes nos quatro episódios iniciais. Um ponto involuntariamente engraçado é que a jornada da protagonista deveria ser algo global, com a personagem se deslocando por diversos países, mas isso na prática só serve para variar os sotaques das pessoas que encontra, pois há pouco nos cenários em si que separem uma locação de outra.

Assim, o verdadeiro mistério é: para quem essa série foi feita? Presa entre querer ser algo próprio, mas sem se afastar muito dos jogos, Resident Evil fica sem identidade. Os filmes de Paul W.S Anderson podem ter seguido um caminho muito mais diferentes, mas pelo menos deixaram alguma marca, informando até mesmo o tom de alguns games. Para essa produção da Netflix, vale o oposto, pois se torna cada vez mais difícil de lembrar algo bom dela, com o passar do tempo.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *