Crítica – O Traidor

Todos nós temos uma ideia do que é a máfia italiana, graças a rica tradição cinematográfica dedicada a esse universo, cheia de homens violentos, porém honrados ao seu modo. Entretanto, Tomaso Buschetta (Pierfrancesco Favino), protagonista de O Traidor, nos diz que a “a máfia não existe, o que existe é a Cosa Nostra”. Essa “Coisa Nossa”, que para o personagem perdeu a razão de ser, é dissecada por meio das delações de Tomaso, um dos primeiros delatores da história da organização.

O testemunho de Tomaso foi responsável por mais de 300 prisões, no maior processo judicial contra a máfia siciliana da história da Itália. Com uma trama dessas proporções ligadas a um tema tão querido pelo cinema, não surpreende que o diretor Marco Bellochio tenha tentado produzir um épico mafioso para chamar de seu. Mas, ao invés de construir uma narrativa coesa, Bellochio apresenta um longa um tanto sem foco.

Muitas ideias são colocadas em O Traidor, mas elas são tão dispersas ao longo do filme, que nada deixa uma marca. Existem momentos interessantes que são somente isso, momentos. Por exemplo, em uma cena, Tomaso é transferido de um ponto a outro, mas o comboio é parado por uma manifestação de trabalhadores que apoiam a máfia, na qual mostra uma faceta inusitada desse universo, mas é reduzido a uma cena anedótica. 

A produção é constituída de situações similares, em que aspectos intrigantes são colocados em cena, todavia nunca tem espaço para se desenvolverem de modo eficaz. O roteiro parece mais interessado em seguir em frente do que em explorar o momento. Com isso, o impacto dramático de certas sequências se perde, por não terem sido estabelecidas eficazmente. No terceiro ato do filme, Tomaso diz que amava certo personagem recém falecido, mas a relação entre eles nunca foi construída devidamente, esvaziando o momento.

Não é a toa que, quando Bellochio decide explorar realmente as situações, a produção encontra seus melhores momentos, como na sequência do tribunal, em que Tomaso é interrogado ao lado de um ex amigo. Através do confronto verbal entre os dois, temos um vislumbre da degradação dos valores da máfia, que agora coloca dois grandes amigos em conflito.

O longa também apresenta certas decisões estilísticas que acabam mais chamando atenção para si mesmo do que ajudar a narrativa de algum modo, como uma série de mortes no início do filme, introduzidas com um contador, e nunca se revela o que de fato são esses números. Há também momentos, através da montagem, que alguns personagens são comparados a animais, mas é tão fora de contexto e súbito que nada acrescenta.

O Traidor se baseia em uma vida densa e cheia de possibilidades, mas se encantou demais com elas, esquecendo de colocar um fio condutor da trama. São duas horas e meia de situações que nunca formam um todo coeso, que só ganha vida nos poucos momentos em que se dedica a explorar uma situação a fundo.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2019

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