Crítica – Padre Pio

A primeira cena de Padre Pio detona um ser em sofrimento, precisando se reencontrar e, em seu discurso, dizendo que está atrás de estar novamente com Deus. Esse personagem, o que ilustra o título do novo filme de Abel Ferrara, e é interpretado por Shia LaBeouf, é uma persona atrás de colocar de lado toda sua corrupção moral. Pouco sabemos pela forma como a trama trabalha o que ele teria feito de errado – aliás, a própria história real do padre também denota isso. Mesmo assim, ele se vê com alguém pecador, problemático, precisando da fé dentro da sua alma e do estado de espírito novamente. Por isso, vai para um monastério no meio da Itália.

Só que é um período em meio a Primeira Guerra Mundial. O mundo vive um caos e uma ebulição política, ao mesmo tempo que também problemas locais. Nesse tempo, diversos soldados retornam para esse pequeno vilarejo italiano. Só que muitos familiares recebem a notícia da morte de seus entes queridos, sejam eles maridos, pais, amigos. Em meio a sensação de sofimento e uma mínima felicidade (representada muito bem na cena de um soldado feliz por retornar, mas sem as duas pernas), uma força política socialista emerge nesse local e busca disputar a prefeitura.

São realmente dois lados, dois caminhos extremamente diferentes entre si, porém iguais na temática: a corrupção moral dos seres humanos. É sobre isso que Ferrara quer falar, desde o ponto de vista religioso, até político. É como se, nos locais em que nossas paixões ficam mais afloradas, não conseguíssemos não controlar nosso instinto animalesco. Além disso, o diretor deixa em Padre Pio duas visões muito claras sobre essa microsociedade, já que defende (através de diversas cenas de reuniões e uma defesa soberana aos trabalhadores) os socialistas e a tentativa de reconstrução dessa figura do padre. A comparação parece demonstrar que ele, como uma figura que quer redenção, representa também essa expectativa da cidade.

Apesar de ter claro o dilema moral dentro da narrativa, o cineasta não parece saber bem como trabalhar esses mesmos elementos. E isso já aparece com a divisão desigual dessas duas partes, em que, apesar de ambas falarem sobre paixões e defesas enfáticas, são retratadas de formas diferentes. Além disso, a encenação coloca o tema tão acima de qualquer coisa, que começa também a discordar dos próprios pensamentos. A organização política, por exemplo, representam quase que uma bondade completa, porém também convivem com suas corrupções morais particulares. Poderia ser trabalhado com algum desenvolvimento, contudo, pela gigantesca quantidade de personagens nesse núcleo, soa apenas como uma banalidade. Assim, o longa sobrepõe os própios dilemas a uma discussão rasa.

Impossível também não falar sobre como os tons também nunca geram uma interlocução entre si. Enquanto, por exemplo, uma sequência mostra Pio como um ser controlando sua própria raiva ao distribuir a hóstia – os closes e a repetição demonstram bem isso -, em outro o diretor quer explorar um experimentalismo formal com uma tensão em uma conversa sobre pedofilia, que é construída como inexistente. Isso tudo eclose muito bem na cena final do lado político da história, quando tudo se resolve em uma grande banalidade. No fim das contas, é como se pouco importasse, após o filme em si buscar trabalhar tudo aquilo ao máximo.

Abel Ferrara tem claras intencionalidades em Padre Pio. Ele não esconde seus posicionamentos, seus temas, seus embates, o problema é como tudo isso soa. Como tudo, ao ser transportado para tela, demonstra uma tentativa do próprio cineasta de ignorar todas as suas perspectivas que estão colocadas desde o primeiro momento. A procura estética em soar como uma grande experiência também contradiz a própria maneira que todo o longa é pensado. No fim, a procura de Ferrara, que poderia ser legítima, se torna apenas enfadonha.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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