Crítica – Cine Marrocos

Nos primeiros momentos de Cine Marrocos, uma crítica é feita por um dos personagens do documentário ao saber da proposta da equipe de filmagem, que é a de exibir e reencenar cenas de filmes clássicos, como A Grande Ilusão, de Jean Renoir, tendo como atores as pessoas que ocuparam a estrutura do cinema Marrocos, devido a uma ação do MTST, e agora tem o espaço como lar. O personagem, que já trabalhou no espaço quando ele era funcional, diz o seguinte diante das intenções do documentário: “uma pesquisa vai ser necessária… que tipo de filme os moradores gostariam de assistir e que cenas eles gostariam de fazer, simples assim.”

Essa cena revela um dos principais dilemas do documentário, não só deste em específico, mas do gênero como um todo, que é o como lidar com o outro, que geralmente é o outro marginalizado, de modo ético, responsável, sem paternalismo e sem infantilizar aqueles diante das câmeras. É uma discussão importante de se ter, mas Cine Marrocos não explora essa questão, que se restringe somente a essa cena, não sabemos também se a pesquisa aconteceu, se a vontade dos moradores dali foram acatadas na escolha dos filmes.

De certo modo, é até válido que o longa não se preocupe muito com isso, já que a relação com os entrevistados é sempre respeitosa, sendo construída por meio de entrevistas simples sobre a vida dos mesmos. Ele busca somente ouvir suas histórias de vida, com isso até mesmo resgatando o espaço do cinema como um de se ver histórias, antes de modo visual, agora pelo oral.

Mas, por outro lado, isso revela uma das principais fragilidades de Cine Marrocos, que é a de ter esses lampejos instigantes, mas que nunca evolui além disso ou encontra sinergia com outros aspectos do longa, que se divide em três. Temos os momentos relacionados a reencenação dos filmes, onde acompanhamos os moradores participando dos ensaios e gravando suas cenas, o outro, citado previamente, são as entrevistas com essas pessoas e, por fim, temos o aspecto mais político do longa, onde vemos Vladimir, líder daquela ocupação, falando sobre questões do movimento dos sem teto. Ao lado dele, matérias televisivas mostram os esforços do Estado para desocupar aquele espaço. É muita coisa, assuntos complexos demais para somente 76 minutos de filme.

No meio disso tudo, há ainda uma interessante, porém muitíssimo breve, exploração das diversas facetas daquele espaço. Logo no ínicio do filme, imagens da época da inauguração do cinema Marrocos são exibidas, com estrelas do mundo todo visitando o local onde aconteceu o primeiro festival internacional de cinema do país, até que a reprodução visual do evento é interrompida, deixando somente o som, enquanto a câmera mostra o cenário sucateado do outrora luxuoso espaço, como se os ecos do passado ainda reverberassem ali. Outra cena é ao som de “Saudosa Maloca”, de Adoniram Barbosa, mostrando como aquele espaço foi adaptado para ser um lar, precário, mas um lar mesmo assim.

Talvez se as circunstâncias externas a gravação do filme fossem mais favoráveis, Cine Marrocos conseguiria ir mais a fundo nas questões que coloca em cena, circunstâncias essas que são parte da história, que, no entanto, não irei expor aqui. Dessa maneira, o longa é mais interessante quando se pensa no que ele poderia ter sido, no que ele é de fato.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *