Crítica – Partida

Os documentários nunca foram representativos de uma realidade “real”, por assim dizer. Desde o início, com Nanook, o Esquimó, de 1922, esse gênero da sétima arte pega mais emprestado o conceito de transcrever uma ideia sobre o real. Assim, documentários estarão na medida da relação ideológica – explicitado pelo conceito do que se coloca ou não dentro da montagem -, além de uma relação técnica do será representado. De certa forma, é possível traçar essa dimensão do documentário com o jornalismo, por serem ambas ideias de explicitar a verdade a partir de uma base fechada, não expondo assim tudo que aquela realidade se apresenta.

É de um pouco dessa base teórica que Partida, segundo filme do famoso ator Caco Ciocler, irá destrinchar suas relações. Na história, que se inicia logo após Jair Bolsonaro ganhar as eleições de 2018, a atriz de esquerda Georgette Fadel,  resolve se candidatar à presidência em 2022. Como ato primordial dessa candidatura, ela irá para o Uruguai encontrar o ex-presidente do país, Pepe Mujica. No meio desse caminho, entretanto, irá junto de um amigo de Caco, defensor de Bolsonaro. Refletindo o clima de disputa política acirrada dentro do país, a obra vai observar até que ponto Fadel poderá conseguir seguir seu caminho no pleito, além de como é possível tratar a discussão ideológica apropriada no país.

O intrigante ponto de partida da direção busca uma apropriação da formalização da mentira. Dessa maneira, toda a encenação do longa vai mostrar as gravações, ensaios para as discussões e também perspectivas sobre o andamento da produção. No meio disso tudo, haverá espaço para a realidade se sobressair, como em uma cena em que Fadel e o amigo de Caco falam sobre o acampamento que pedia a soltura de Lula, na qual ambos são filmados de forma escondida pela câmera. A discussão sobre o que poderia ser realidade e o que seria a mentira dentro da trama, abre espaço para toda uma carga de qual ponto das discussões ideológicas do país também não estariam pautadas em uma questão de verdade/mentira. E isso ainda traz um questionamento principal: será que a atriz realmente quer se candidatar?

A conotação política por parte da câmera é quase sempre um olhar irônico e aberto para as discussões. Claramente há uma predominância de um pensamento de esquerda – algo expressado atenciosamente dentro da protagonista -, entretanto os diversos pormenores que constroem a política estão presentes na maneira como a sociedade acontece. Dois exemplos claros são choques tomados por Georgette. O primeiro em relação ao motorista do ônibus, que diz ter esperanças no governo que viria pela frente – ele, preto e pobre e participante da classe trabalhadora. O segundo está conectado em uma sequência já no Uruguai, onde uma mulher na lanchonete dá indícios de não gostar de Mujica. A realidade, sendo assim, quase se propõe em frente às câmeras para entender essa dualidade social.

A grande tese do filme é a busca de uma conciliação política. Não existem posições claras se essa busca seria mesmo realizada agora ou algo historicamente, todavia é quase como se a direção fosse um olhar para a conciliação entre as diversas pessoas. Mesmo que não concordem, é quase como uma ideia da busca da ideia do diálogo ser possível.

Partida é um longa que busca quase um entendimento sobre a realidade brasileira, mas não em uma perspectiva da política institucional, e sim da política do dia a dia. Como é possível entender o outro? Como é possível se entender dentro do jogo de verdades e mentira da formação política contemporânea? Até que ponto somos verdadeiramente inimigos ou apenas adversários? Caco Ciocler, através de um jogo de verdades e mentiras como o realizado por Orson Wells em F for Fake, de 1973, olha para a realidade como uma mentira. E a mentira se torna igualmente real.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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