Crítica – Piedade

Lá para os momentos finais de Piedade, novo longa de Cláudio Assis (Febre do Rato) em exibição no Festival Online do Espaço Itaú, há uma pequena referência ao poster de Barravento, primeiro longa metragem de Glauber Rocha, que lida com o choque cultural numa pequena aldeia de pescadores. Essa referência que coloca um pouco de foco as as temáticas do filme de Assis, que são muitas, mas todas têm como base o choque entre duas realidades.

Na história do filme, Omar (Irandhir Santos) e sua mãe, Carminha (Fernanda Montenegro), são donos de um bar à beira mar em Piedade, uma pequena cidade baiana que está na mira de petroleira Petrogreen, representada por Aurélio (Matheus Nachtergaele), que traz à tona segredos da família há muito esquecidos, que envolvem Sandro (Cauã Reymond), dono de um cinema pornô, e seu filho, Marlon (Gabriel Leone), um jovem ativista que luta contra a influência na Petrogreen na região.


Ambientalismo e capitalismo, natural e artificial, revolta e conciliação. Essas ideias, e algumas outras, são exploradas no longa e encarnadas por meio de seus personagens, que encontram dentro desses polos ainda mais dualidades. Se Aurélio é frequentemente visto em seu apartamento claro e estiloso, Sandro, personagem que mais se aproxima de Aurélio, possui um ambiente tão artificial quanto o do executivo, mas sombrio, fechado e mal cheiroso. Já Omar é apresentado na praia, sempre conectado com a natureza, mesmo que no horizonte, os navios petroleiros ameaçam acabar com esse modo de vida. O mesmo vale para o uso da tecnologia, frequentemente usada como arma ao longo de trama, mas em um momento é ferramenta de liberação, e em outra de alienação

Com os personagens se tornando símbolos, é interessante observar como eles se movimentam na cena e como o diretor escolhe acompanhá-los e enquadrá-los em cena, representando o poder que essas ideias têm naqueles ambientes. Como na sequência em que Omar e Aurélio se dialogam com a população, a câmera acompanha quem tem o domínio do momento, com a cena terminado em um impasse, tanto de ideias, quanto entre os homens, que compartilham o plano final, em lados opostos.


Essa profusão de ideias, no entanto, é o que acaba por tornar a narrativa de Piedade um tanto difusa, sem uma linha condutora muito bem estabelecida. As duas tramas principais – a preocupação ambiental e o drama familiar – nunca se integram muito bem, embora não cheguem exatamente a se atrapalhar, nunca conseguem formar um diálogo muito claro, e a conclusão sofre muito por isso, já que tudo se encerra de modo súbito.

Não ajuda muito que Assis tenha incluído momentos bem supérfluos, como cenas de sexo entre Reymond e Nachtergaele, que mais parecem estar lá mais pela extravagância de ver um galã se relacionando com uma pessoa mais fora do padrão. É até inusitado quando acontece, mas pouco agrega a narrativa.

Assim, Piedade tem muito a dizer, e tem inspiração clara em um cineasta que também expressava muito pelos seus filmes. Por momentos, consegue encenar muito bem seus conflitos e temáticas, mas termina por deixar tudo muito pincelado, e o quadro completo nunca toma forma.

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