Crítica – Tempo

O tempo passa rápido. É um clichê, claro, mas não deixa de ser verdade, especialmente conforme uma pessoa vai ficando mais velha. Tenho 25 anos enquanto escrevo esse texto, me formei do Ensino Médio  já tem uns 8,7 anos, só que parece que foi ontem. Às vezes, no caminho para o trabalho, encontro os estudantes que estão nesta mesma fase, e fico maravilhado com o quão jovens eles aparentam ser. Seria eu assim também com essa idade? Naquele tempo não pensava assim, mas olhando para trás, percebo que eu tinha muito mais tempo do que pensava.

Existem sabores e dissabores na passagem temporal, e é isso que, em parte, o novo longa de M. Night Shyamalan, cujo título brasileiro, Tempo, é muito melhor que o original, pretende explorar, de modo muito mais intenso, é claro.

No longa, acompanhamos a família Cappa, formada pelo pai, Guy (Gael Garcia Bernal), que trabalha em uma agência de seguros, Prisca (Vicky Krieps), a mãe, que é curadora de museus, e os irmãos Maddox (Alexa Swinton), a mais velha, e o mais novo, Trent (Nolan River). O quarteto está de férias em um resort tropical, um pequeno presente para o casal de filhos antes que os pais revelem os problemas que tem afetado o relacionamento, que irão levar a uma separação. O gerente do resort, por ter criado simpatia com o quarteto, indica uma praia privativa para que eles possam passar um tempo, e oferece até mesmo transporte para o local.

Ao chegarem na praia, fica evidente que, de fato, o local é belo e privativo, necessitando de alguns minutos de caminhada pela mata para que cheguem até lá. Mas logo o paraíso se revela falso: durante uma brincadeira de pique-esconde, Trent descobre um corpo boiando, o que interrompe a serenidade do cenário. Mas ao tentar buscar ajuda externa, os presentes na praia encontram dificuldades, os celulares não funcionam, e ao tentarem sair pelo caminho que entraram, são acometidos de uma estranha pressão em suas cabeças, que resulta em desmaios. Mais estranho ainda, as crianças parecem estar envelhecendo de modo muito acelerado, tornando a situação ainda mais drástica e bizarra.

É fascinante o quanto de situações Shyamalan consegue extrair de um ambiente extremamente simples. O cenário, por mais belo que seja, é só uma praia, os personagens largamente permanecem na faixa de areia, que não oferece grandes atrativos visuais, mas que possui movimentos muito próprios – as ondas, por exemplo – e isso dialoga frequentemente com as situações humanas, a morte brusca de um personagem é marcada pelo mar revolto, assim como o conflito interno de outro.

Assim, o diretor faz algo que sempre fez muito bem, que é trabalhar mais o poder sugestivo do cinema do que ser explícito. Como a cena em que as crianças envelhecem alguns anos de modo definitivo, a camêra os esconde, a princípio, e a reação das pessoas a esse acontecimento é o destaque, extraindo mais suspense do que o choque imediato.

Além do suspense e, em menor grau, do horror, há também os aspectos mais dramáticos do filme. A praia se torna uma espécie de microcosmo da vida como um todo, e isso resulta em momentos muito singelos entre alguns personagens. Conforme Maddox cresce, as angústias de se tornar adulta vem a tona, além das novas sensações, (“meus pensamentos ganharam novas cores”) e Trent lamenta com a outra criança da situação, Kara, o tempo perdido (“nós nunca vamos ter uma festa de formatura”). Conforme Guy e Prisca envelhecem, o relacionamento dos dois muda. Eles refletem sobre seus problemas, entregando uma cena cheia de ternura, que é até difícil expressar em palavras a sensação que me trouxe de testemunhar tal situação. Shyamalan é mais reconhecido pelo seu trabalho com o dito cinema de “gênero”, mas sinto vontade de, um dia, vê-lo explorar algo puramente dramático.

Tempo também oferece certas doses de body horror, explorando o efeito do tempo acelerado em cicatrizes, ossos quebrados, infecções e afins. Novamente, tudo mais na base da sugestão, com exceção dos efeitos de ferrugem no sangue, que são explorados intensamente, em toda sua glória  grotesca.

M. Night Shyamalan se tornou um nome rejeitado no cinema americano, só recentemente tendo conquistado seu espaço no cinema novamente. Tempo só comprova algo que muitos já sabiam desde antes do seu “renascimento”: ele sabe o que faz, seu estilo estar longe da seriedade e realismo de nomes mais aclamados como Christopher Nolan e Denis Villeneuve não o torna ruim, ou algo de “filme B”, como alguns acusaram o filme, como se isso fosse negativo, mas sim um belo sopro de ar fresco.

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