Crítica – Terror Mandelão
Apesar dos avanços em relação à compreensão do gênero, Funk ainda é palavra feia para muitos, que abominam a ideia do ritmo ser considerada cultura e o rotulam com jargões fáceis, alegando a “glorificação da criminalidade” e um sem fim de outras coisas. Infelizmente, a mentalidade “Rock Wins” segue viva e forte quando se fala sobre o tema, ignorando suas diversas nuances e realidades. Falando a nível pessoal, o trabalho do GG Albuquerque no seu perfil Volume Morto, onde ele busca entender essa cena musical nos seus próprios termos, foi vital para entender o funk como um universo muito próprio, explicitando seus procedimentos artísticos e evidenciando que não é só “barulho”, mas sim escolhas feitas pelos músicos que dialogam com todo o cenário de bailes e paredões.
Terror Mandelão é um desdobramento desse trabalho, dirigido por Albuquerque em parceira com Felipe Larozza, que é focado no chamado ‘Funk Mandelão’, subgênero criado em São Paulo e que se utiliza da batidas mais pesadas em suas composições, com o som estourado muitas vezes sendo algo atrativo, ao invés de evitado. O documentário começa apresentando um grupo de jovens na periferia paulista, que dividem seu tempo entre produzir beats para os bailes e o seu dia a dia.
O longa possui um meio termo entre explicar ao público o que é aquele cenário, mas também em nos deixar um pouco “perdidos”, confiando que é possível lidar com o material nos próprios termos, sem uma condução. Os momentos mais didáticos até existem, como a cena em que um dos MCs explica as batidas que são utilizadas na musicais, realizada em estilo tutorial de internet, mas não se trata somente de olhar para câmera é explicar: há toda uma performance envolvida, adotando uma estética “MTV” de ser, que busca tornar tudo mais dinâmico. Mas de modo geral, o documentário não faz muitas concessões ao público, e não se preocupa em sanitizar as letras dos MCs, se prepare para ouvir muito “xota”, “pica” e afins.
Apesar de começar com uma visão coletiva, eventualmente ele se foca em DJ K, alcunha usada por Kaique Alvez, que de dentro do seu quarto, produz os sons que movimentam as noites de São Paulo, sem que o retorno financeiro seja significativo. Um dos grandes pontos de Terror Mandelão é buscar evidenciar que essa rica cena cultural é construída quase que voluntariamente, e reconhecer a posição das pessoas que estão nesse meio como trabalhadores precarizados, algo comum no campo artístico cultural, bem longe dos grandes nomes associados ao funk.
O quarto de DJ K, e de outros jovens que fazem parte do movimento, como MC Zero K, é o principal cenário para a exploração das diversas facetas desse universo, como a preocupação estética, com diversos momentos de cortes de cabelo, escolha de vestuário e afins, até os problemas que encaram para realizar suas atividades. Uma sequência mostra um produtor avisando que não poderá mais ir ao baile, pois sua avó está doente, e em seguida alguém avisa que o carro utilizado para ir ao baile está sem gás.
Mesmo quando DJ K alcança a fama, a partir do sucesso de seu álbum e a aclamação pela revista Pitchfork, que resulta numa tour européia, Terror Mandelão não tenta vender essa história como um “exemplo de sucesso”, desinteressado em uma narrativa motivacional que achata a realidade. Após passar pela Alemanha, Inglaterra e outros países, K retorna para a periferia de São Paulo, fazendo música no seu computador, sem tempo para aproveitar os louros. O trabalho de GG e Larozza, além de um belo retrato da complexidade do funk, também é um documento sobre a fragilidade do trabalho artístico no Brasil, onde a busca pelo sucesso pode colocar em risco outros aspectos da vida.
Esse texto faz parte da cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.