Crítica – The Power of the Dog

Entender o que é o amor pode ser algo extremamente complexo. A reflexão sobre o tema sempre esteve presente na história da arte e é especialmente poderosa dentro do cinema. Jane Campion gosta de pensar nesses temas sob uma perspectiva menos racional e mais melodramática do mundo, só que sem apelar a uma bobajada qualquer. A sua busca é ir atrás de um âmago do que cria a condição para certas sensações e sentimentos na espécie humana. Assim como a frieza pode ser encontrada de forma clara em O Piano, Em Carne Viva é um filme que consolida a relação com o carnal.

Em The Power of the Dog, a diretora vai além atrás de consolidar a imagem e a concepção de amor nos chamados “brutos”. Por isso, retoma o velho oeste como pano de fundo para o desenvolvimento do protagonista da trama, Phil Burbank (Benedict Cumberbatch). Vivendo apenas sob grande rancor e da tentativa de parecer mal junto da gangue que comanda com seu irmão, George (Jesse Plemons), ele acaba mudando por completo após o casamento desse. Assim, começa a viver com a possibilidade de se apaixonar e, ao mesmo tempo, entender o que são as relações, com a chegada de Rose (Kirsten Dunst) e Peter (Kodi Smit-McPhee).

A cineasta permite seu filme ser múltiplo e único nos diversos momentos que perpassa pelo grande debate da narrativa. Dessa forma, por exemplo, essa condição sobre a paixão pode surgir através da sutileza, como é o caso de George e Rose. Contudo, ele também emerge de uma brutalidade que está dentro do que é ser um homem nesse período. É esse ponto que acaba sendo o maior destaque da produção, em que vemos um personagem principal extremamente quebrado. Campion não deixa claro em momento algum, nos instantes iniciais, o por que dessa condição de relação tão forte com o irmão. A figura masculina, para ele, acaba sendo algo que é traduzido em um grande estereótipo.

Contudo, The Power of the Dog está atrás de trabalhar com os pequenos universos particulares que esse mundo possui. Dá espaço tanto para um caráter físico de como a trama vai atravessar – e o sexo acaba sendo parte fundamental disso -, até um lado mais catártico, que se idealiza bastante dentro do clímax. É nessa parte que Jane Campion busca construir uma sutileza feminina em como os protagonistas se relacionam. Assim, no sofrimento, não vemos um homem bêbado abusivo, mas sim uma mulher que acaba perdendo tudo pela bebida. Da mesma forma que Peter convive com a ideia da rosa como algo perene a ele, pertencente a uma certa linhagem de vida.

O longa realmente está interessado e instigado nesses âmbitos que constroem a narrativa em algo maior. É muito menos sobre o todo, em que as grandes catarses e momentos maiores acabam acontecendo (e que a obra gosta bastante de pontuar pela explosão na trilha, por exemplo), e mais sobre a pequenez perante o entendimento do que realmente somos. Esse estudo de personagem na figura de Phil acaba sendo complexo por realmente nunca entendermos o que ele é de verdade. A farsa do cinema se torna capaz até mesmo de esconder personalidades e pensamentos da figura principal, como se fosse impossível atingi-lo, ainda que o mesmo se sinta atingido por esse universo.

É engraçado como The Power of the Dog poderia ser uma produção que usa e abusa dos seus estereótipos mais claros. Um filme de faroeste? Talvez. Uma produção gay? Talvez também. Porém, é muito mais instigante a forma como Campion constrói algo inerente a esses personagens: a maneira como o amor pode ser visto nas suas profundezas. Assim, passamos por um drama familiar até um longa de ação. E é dentro desses múltiplos elementos e possibilidades que parecemos não ter bem uma direção a qual apontar esse trabalho. A única coisa que pode ser pensada pelo todo é realmente como o amor pode estar em qualquer lugar. E como ele não pode ser compreendido de forma alguma por ninguém.

Esse texto faz parte da cobertura do Festival Internacional de Cinema de Toronto 2021

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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