Democracia em Vertigem é o retrato do nosso curto passado político
O enfervecido momento político nacional desde as manifestações de 2013 tem gerado um fluxo no meio da arte. Desde cinema, literatura, quadrinhos e álbuns, é impossível não associar toda manifestação artística a também política. Afinal, o confronto de ideias e dos ideias vigentes faz parte de fazer arte. Pensando nisso tudo, é impossível também não relacionar essa bolha criada com o Impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Independente de lados, esse acontecimento modificou a forma de pensar do país, gerando ainda mais confrontos e divisão. Tudo acarretou em um imenso debate público sobre a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. A arte esteve presente ao longo desse tempo. É claro, cada um tomando um lado no assunto, porém sempre buscando (ou não) contestar.
A diretora Petra Costa resolveu ir mais a fundo nessa questão e investigar todo esse período atual da história brasileira. Um passado político extremamente recente, visto que muito vivenciaram os acontecimentos diariamente. Ela busca um olhar sobre a democracia brasileira, tentando fazer um questionamento se ela realmente estaria sendo destruida aos poucos. Democracia em Vertigem busca um aprofundamento nessa explosão de fatos, não deixando de tomar um lado, todavia sendo igualmente impressionante.
A cineasta deixa desde o início sua visão muito pessoal a ser explorada da situação. Ela não tem medo algum de expor sua opinião política e visão mais a esquerda, mas buscando também confrontar os próprios governos desse espectro. Ao remontar o passado próprio, mostrando a luta dos pais perante a ditadura militar, ela chega até a se expôr quando criança. Essa situação criada denota uma certa tentativa utópica de observação do mundo desde a infância. A mesma chega a dizer que seus pais buscavam um Brasil melhor, na qual ela acabou inserida ao longo do tempo. A transição rápida inicial mostrando a eleição de Lula, coloca toda uma áurea positiva dentro da nação. As imagens da felicidade do povo em Brasília jogam luz sobre uma possibilidade de um futuro melhor. Por ser a primeira filmagem de Petra, isso ainda coloca um futuro sobre sua própria carreira.
Contudo, é interessante como essa perspectiva pessoal remonta ambas ideologias. Especialmente ao colocar a possibilidade de fuga de parte da sua família para o exterior antes do golpe militar de 64. Seu avô, então, acabou se tornando sócio de uma das maiores empreeiteiras do país, acusada posteriormente de participação na Lava Jato. Porém, a mesma empresa, ainda ajudou a financiar reformas no palácio do planalto, em governos contra e a favor posteriormente. Ao por isso, toda essa encenação – especialmente focando em uma câmera lenta sobre os corredores – joga luz sobre outras problemáticas. A de que não apenas é possível observar esses fenômenos sobre a classe política, mas os empresários, verdadeiros comandantes do país. Mesmo sem explorar tanto nessa argumentação, isso gera uma perspectiva mais profunda de todo acontecido.
Petra Costa sabe colocar luz sobre alguns lados. Ao menos tenta. Especialmente durante o período pós a segunda eleição de Dilma. Em um instante, ela demonstra uma tentativa de entrevistar Aécio Neves, porém fracassada. Em outras oportunidades, consegue um contato com o futuro presidente Jair Bolsonaro. Seu status de poder comece a crescer e aparecer naquele período, algo observado pela atenção dos repórteres a sua figura. Apesar disso, por ser uma pessoa de esquerda, ela joga luz para a voz dos ex-presidentes petistas sobressair. Em muitos e longos trechos de entrevista, eles sempre demonstram receio, tranquilidade e uma certa dúvida sobre o futuro. Isso fica totalmente claro durante o momento da prisão de Lula. A demonstração dos olhares de militantes, as conversas e choros dentro do sindicato no ABC paulista. Apesar de certificar um lado encenado da prisão, também elucida a importância dessa figura – algo ratificado no início da projeção.
Democracia em Vertigem é uma perspectiva e um olhar profundo sobre o turbilhão político dos últimos anos no Brasil. Diferente de outras produções, Petra assume um lado bem claro logo aos primeiros minutos. Isso parece causar espanto, porém sua ideia é retratar uma trajetória. É observar a montagem meio antropológica, meio jornalisticamente, sobre esse passado recente. E isso não apenas sob a identidade nacional, todavia também da sua própria vida e da linhagem familiar. Ao fim, não parecemos ter respostas sobre o futuro. Nem a diretora. Até porque, por tudo que aconteceu, é impossível prever o futuro. Seja positiva ou negativamente.