Filme sobre ocupações nas escolas em São Paulo estreia

Em um momento de grande discussão política, cada novo longa que sai acaba trazendo uma questão para pauta. Realizando uma reflexão sobre os últimos 6 anos, desde 2013, o Brasil passou uma grande mudança em torno de diversas pautas, podendo dizer ser um outro país. No meio desse tempo, surgiram as manifestações de junho de 2013, o impeachment de Dilma e a eleição de Bolsonaro.

Tendo estreado no último dia 15 em território nacional, Espero Tua (Re)Volta busca trazer todo esse contexto político a tona, rememorando esses últimos anos. Todavia, ele traça uma força maior em um acontecimento especial: as ocupações nos colégios. Ocorridas a prióri em São Paulo no ano de 2016, essas tiveram uma influência muito grande movimentos advindos do Chile. O protesto incial dos jovens estudantes era contra uma medida do governo do Estado para diminuir a quantidade de colégios e aumentar o números de alunos em cada unidade. Entretanto, isso foi crescendo aos poucos.

“O filme em si surge em maio de 2016 quando eu e a Mariana Genescá, a produtora, havíamos nos conhecido e a gente se encontra para fazer uma pesquisa de personagem para uma série de TV na Assembléia Legislativa de São Paulo, aonde pediam a abertura da CPI da merenda [caso de roubo de verbas das merendas em SP]”, conta Eliza Capai, a diretora do filme. “Quando a gente entrou, a nossa cabeça deu uma espécie de choque, de como aqueles jovens conseguiam colocar no corpo toda a questão política de uma forma estética. Como eles conseguiam se organizar daquela forma e chamando tanta atenção midiática e da sociedade. A gente saiu dali com a certeza que tinha que fazer um filme e com uma pergunta na cabeça: ‘como que esses jovens, em geral vindo de escolas sucateadas, de realidades violentas, conseguiam aquele grau de organização política?'”.

Nayara, Eliza, Marcela e Koka.

A partir disso, então, começou todo o processo de pensamento do documentário. Como é feito no longa, toda a linguagem é tratada totalmente por uma visão da juventude, seja pelo lado das falas – é narrado por três que estiveram em ocupações -, seja por toda maneira de edição, indo e voltando, com uma montagem bastante dinâmica. Desde o início, segundo Eliza, isso foi buscado. A questão toda política em torno do corpo desses estudantes, sendo negros e assumindo blacks, como as mulheres andavam com a roupa que queriam, e como os corpos não tinham um certo pardão binário de gênero.

“A gente tinha um desejo muito grande que essa parte estética, essa forma de falar de política através da própria estética, era algo que tinha que permear o filme”, continua. “A gente começou a se questionar: como colocar no formato do filme, todas as questões que são trabalhadas e discutidas no filme?”.

A estreia de Espero Tua (Re)Volta aconteceu em fevereiro, no Festival de Berlim, pela Mostra Geração (de produções com jovens). Além disso, venceu o prêmio de Melhor Longa Metragem no Festival Cine Pernambuco. Isso tudo tem um certo sentido, como a cineasta diz. Diversas pessoas tem saído emocionadas das sessões, seja fora ou dentro do país. Pode ser, claramente, relacionado ao momento político complexo, mas também está relacionado a toda brutalidade da polícia e luta dos estudantes.

Mesmo assim, houveram certos comentários na internet sobre um certo “diálogo com os convertidos”. Isso é dito muito em torno da linguagem muitas vezes mais forte impregnada pelos estudantes, além de diversas críticas. Porém, sobretudo, também pelo fato da obra tem um lado bastante claro, não querendo adentrar em maiores detalhes sobre ser isento, assumindo parte da luta dos estudantes. Todavia, isso, para Eliza, não fui uma busca. A ideia era realmente fazer um diálogo com as pessoas diversas.

“Havia um esforço muito grande realizando o filme que os jovens que estiveram lá se sintam representados e que ele possa dialogar com uma nova geração de secundaristas. Digo isso, porque é uma geração que não necessariamente é convertida ou não. A gente vê um crescimento da direita e extrema-direita entre esses jovens e a gente acredita que o filme possa dialogar com essa nova geração”, revela a diretora. “Tem uma das cenas que uma mulher está reclamando do direito de ir e vir e chegar no trabalho e a Nayara, uma das protagonistas, abre um parênteses, e abre um diálogo com essa mulher que o direito das mulheres de dirigir seus carros e trabalhar sem autorização dos maridos é muito recente. Então, é uma tentativa de trazer pessoas para essa reflexão”.

Finalizado em um momento da ascensão a presidência de Jair Bolsonaro, eleito no fim do último ano, Eliza diz que sentia um desconforto antes de acabar tudo. Eles já haviam delimitado uma possibilidade de estreia para setembro ou outubro de 2018, contudo, com os acontecimentos, essas questões acabaram mudando, aumentando, ainda mais a responsabilidade na qual o filme possuí no debate público.

“Eu só entendi essa intuição quando o Bolsonaro ganhou e dá uma dimensão diferente para todo o filme. É um filme de jovens que ocuparam suas escolas, ou seja, que usam a ocupação para chamar atenção a temas políticos. É um filme que é vivenciado e feito por ativistas. É óbvio que isso faz com que essa história tenha um outro peso”, comenta. “Eu conversei com os protagonistas querendo saber [devido a eleição] se eles queriam cancelar a estreia no Brasil por causa de toda a perseguição do governo a ativistas e a cultura. E eles responderam que mais do que nunca esse filme tinha que circular”.

“Por mais desamparada que eu tenha ficado nesse momento, eu senti como uma missão, lançar esse filme e falar sobre esse Brasil que as pessoas fora do país estão curiosas. E divulgar para o máximo de pessoas possíveis para que as histórias deles sejam reconhecidas e as vitórias deles também. Esse filme, que foi feito com verba pública, eu sinto como uma missão que ele chegue ao máximo de pessoas, que abra o máximo de debates e que ele sirva de documento para que a gente não precise mais viver um crescimento do autoritarismo que a gente vive hoje”, finaliza.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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