O Animal Cordial é o terror dentro da realidade brasileira

O cinema de horror brasileiro, principalmente desde o início da década 2010, têm rendido certos frutos com sua guerrilha. Além do intenso experimentalismo, as produções nacionais buscam a exploração de subgêneros que ainda não foram explorados por aqui. O Animal Cordial é uma dessas produções, enveredando para o malfadado slasher. Esse momento está sendo importante para que  as películas do país não sejam reconhecidos apenas pelo seu esteriótipo aqui dentro, mas também como uma grande fonte de histórias a todo canto. E o que o filme faz é trazer uma abordagem nacional para a atual fase do terror (na qual alguns chamam de pós-terror ou meta-terror).

O longa possui uma trama bem simples e direta. Inácio é o dono de um restaurante em uma região afastada de São Paulo, gerenciando o lugar sempre com uma desnecessária força bruta com seus empregados. Certo dia, uma tentativa de assalto ocorre no estabelecimento, quando o local estava prestes a ser fechado e com apenas três clientes presentes. O chefe consegue render os bandidos e busca, a partir daí, controlar essa situação, mas de uma maneira não muito convencional.

Existe uma mistura na obra bem impressionante de algo extremamente calculado e de algumas tentativas de buscar novidades. A diretora Gabriela Amaral Almeida, em seu primeiro trabalho em um longa-metragem, consegue fazer com que o público se sinta como o telespectador de um acontecimento verídico, ao mesmo tempo em que nos leva a questionar a razão por trás dos acontecimentos apresentados. A questão é feita de uma maneira incrível pelo seu controle em realizar – seja com câmera na mão ou com ela estática – o andar daquela história. Dentro disso, a fotografia feita por Barbara Alvez (Que Horas Ela Volta?) corrobora toda essa construção de mundo, principalmente por causa da palheta de cor, que gera uma tensão no próprio ambiente. A influência do movimento cinematográfico italiano Giallo é bem clara, com as cores sempre bem fortes e saltitantes – com um belo destaque para o vermelho.

Tematicamente, o filme parece ter sido um estudo extremo de terror dentro da realidade brasileira. Amaral, também roteirista, gera uma subversão do subgênero do slasher, colocando as minorias, mesmo em uma situação desfavorecida no desenrolar da narrativa, com uma voz e até realizando atos imorais. Com isso em mente, observamos uma elite branca que não liga para um crescimento pessoal ou transforma em lixo pessoas pobres, tudo transportado na figura do animal cordial (que dá nome ao título) feito de maneira magistral por Murílio Benício, aonde nunca se sabe muito bem quem ele é ou o que pode ser – fato que vai ficando mais claro no decorrer da trama. Essa transição para um universo minúsculo, mas que possui um valor metafórico tão grande, também gera um problema de repetição do assunto, quando seria possível entender apenas com as imagens em tela. Isso acontece em diversos diálogos, que parecem fazer o telespectador não esquecer do que está sendo abordado.

Todo esse arco crítico possui duas figuras centrais: as personagens Sara, interpretada por Luciana Paes, e Djair, feito por Irandhir Santos. Além de duas soberbas performances, construídas pelos pequenos detalhes, como a maneira de reagir a situações em que são confrontados, eles representam o ponto mais importante que a película debate: até onde podemos ir quando temos o que é básico tirado de nós?

O Animal Cordial é muito mais que um filme, muito mais que o estudo social, muito mais que uma boa obra de horror, é um exemplar claríssimo do que pode ser realizado dentro do Brasil com o cinema de gênero. Gabriela pegou as armas e resolveu retratar e entender até que ponto falamos realmente sobre classe social no país, de uma maneira poética e única. Porém, em vez do revolver de Inácio, ela usou uma câmera mesmo.

4.0
  • O Animal Cordial
4

Resumo

Uma pérola dentro do cinema de terror/horror do país. José Mojica Marins deve estar bem feliz com o que viu.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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