O ano do macaco de Patti Smith

2016. Um ano que poderia ter sido comum em diversas questões e na qual deveria ter sido até melhor. No início desse ano, a cantora e escritora Patti Smith ia, mais uma vez, para um hotel próximo a uma praia, totalmente sozinha. Ali, acompanhava de longe o coma de seu amigo e mentor Sandy Perlman. Poderia ter havido uma recuperação, além de grandes realizações artísticas, porém dois mil e dezesseis era o ano do macaco na cultura chinesa, ou seja, de complicações e algazarras, assim como esses animais. Por isso, Sandy acaba morrendo, Donald Trump sendo eleito e Patti sofrendo com tudo desmoronando a sua volta.

Desde que começou sua carreira na literatura, com o já clássico Só Garotos, a artista possui um olhar que mistura uma melancolia e uma positividade sobre o mundo. Nessa obra citada, por exemplo, fala sobre o amor da sua vida, o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Ao rememorar essa trajetória, ela busca sempre uma nostalgia bastante depressiva, complexa de ser lidada, como a memória de um parente falecido por exemplo. A cantora olha para o cotidiano relacionado sempre a essa temática que busca falar em suas produções. Por isso, O Ano do Macaco é diferente de tudo. Ele abraça a melancolia como sua condição da narrativa. Abraça todos os martírios e as dificuldades em sua volta.

É interessante nesse sentido como iniciamos a leitura sob a ótica de Patti percebendo um certo clima pesado no ar. Por isso, ao “conversar” com um cartaz, ela parece estar olhando no espelho diretamente. Parece ali tentar refletir sobre o que poderia vir pela frente, com todos os percalços na qual já tinha uma certa noção que passaria. Toda a relação com Sandy, talvez a maior forte em toda a literatura, faz parte disso. O amor sentido por ela, de um carinho imenso, parece não ter noção alguma de como conseguir colaborar a sua recuperação. Aliás, ela narrando toda essa parte é uma trajetória de sofrimento. Não chega a se fazer de vítima da circunstância, porém há uma martirização.

São poucos os períodos de um alívio narrativo imposto pela autora. A sua divisão de capítulos, aliás, reflete bem isso, por possuir alguns longos (o primeiro) e outros curtíssimos, chegando a ter duas ou três páginas de pequenas reflexões contemporâneas. O café, fiel aliado de Smith, parece ser a possibilidade de respiro nesse cosmo embaraçado. Quando ela, por exemplo, para em um lugar e começa a conversar com um grupo de pessoas sobre o escritor Roberto Bolaño trazendo reflexões a cerca de seus elementos comuns no trabalho. Ali, ela conhece Ernest, a figura bastante embaçada, todavia intrigante para a narradora.

Diferente de toda sua expressão do rock e dançante nas suas canções dos anos 70 – especialmente o grandíssimo álbum Horses -, somem para dar espaço ao abatimento da idade. Aliás, é intrigante como nesse mesmo ano, com tudo ocorrendo, é quando a artista completa setenta anos de idade. Do mesmo jeito que conversa com o anúncio e as pessoas em um bar, reflete sobre sua trajetória e, especificamente, dar dificuldades cada vez mais crescentes. Nesse contexto, a morte do também escritor Sam Shepard e a eleição dos Estados Unidos, na qual consagram Trump como presidente, tornam-se mais um empurrão a toda essa carga dramática.

A expressão “o macaco está a solta” talvez seja a ideal para definir esse novo livro de Patti Smith. Em um ano tão complexo, toda sua reflexão vai em torno da lembrança, das memórias, por isso uma presença tão constante das fotos em cada uma das páginas. O Ano do Macaco traduz um certo Sentimento de Mundo, assim como o livro de poesias de Carlos Drummond. Apesar disso, ela, como narradora, olha o presente e o futuro. E, da mesma forma que o narrador do poema “Mãos Dadas”, também de Drummond, “O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. Essa é Patti.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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