“Brasília é um projeto que deu errado, mas ainda há tempo de corrigir isso”, diz diretor de Ainda Temos a Imensidão da Noite

Anos 70. Período esse, no Brasil, auge da ditadura militar, com repressão acontecendo fortemente e uma complexa disputa política ocorrendo mundialmente pela guerra fria. No final dessa década, influenciados pelo punk inglês e americano, bandas nacionais começam a surgir com letras de contestação e uma estética forte do rock. Os anos 80 seriam mais reconhecidos para esses grupos, como Legião Urbana, Capital Inicial, Aborto Elétrico, entre outros. A chamada década perdida foi uma nova retomada musical brasileira, fazendo sucesso por todos os cantos do país. Porém, a cidade na qual abarcava isso tudo – Brasília -, agora possui apenas o vazio.

É nesse contexto que começa o filme Ainda Temos a Imensidão da Noite. Nesa cidade quase inóspita, com ruas vazias e um contexto de toda uma vida voltada ao poder público presente no local, com diversos personagens trabalhando para políticos, Karen (interpretada por Ayla Gresta) possui o sonho de viver de música. Ela, trompetista, tem um grupo com o namorado e alguns amigos. O problema é, aos 27 anos de idade, a realidade começa a pedir uma necessidade por pagar boletos, entre outras questões da vida adulta. Enquanto os mais próximos abraçam esse caminho, a garota ainda tem o objetivo da carreira artística pela frente.

“O filme é a soma de dois desejos meus: fazer um filme sobre músicos, que era uma vontade desde que comecei a fazer cinema, para contar sobre essa emoção da música; e o outro era discutir Brasília, cidade na qual eu cresci e nasci. Queria entender o porque aquela cidade que era pra ser o símbolo do Brasil, se tornou um lugar excludente que afasta e censura”, conta Gustavo Galvão, diretor do longa. Ele, que ainda comandou Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa (2013) e Nove Crônicas para um Coração aos Berros (2012), comenta uma busca por compreender “porque depois da história dos anos 80 e 90 no rock não continuou”.

Para contar essa história, Galvão busca esse quesito musical como algo pungente em sua protagonista. Inclusive, não apenas sob essa, mas sim todo o ambiente e os próprios personagens, na qual, em suma maioria, eram músicos reais “e não atores interpretando músicos”, como frisa. Iniciando a pesquisa em 2011, ele ouvia sons variados e diversos para entender como pensaria toda aquela produção. Nessa pesquisa, o mesmo disse ter descoberto pouquíssimas bandas de rock com trompetistas como integrantes fortes.

Quando eu começo a pensar na música do filme, era inevitável pensar no som do filme. Quando eu tive a ideia de filmar com músicos, comecei a perceber como a música faz parte dessas pessoas. Faz parte do corpo. O instrumento é uma extensão do corpo”, continua. “A ideia era sempre, então, as músicas serem executadas em cena. No fim das contas, acho o resultado sonoro muito rico, porque até o silencio tem vibração.”

Para contar ainda mais sobre isso, o diretor contou com uma ajuda extremamente especial. No caso foi Lee Ranaldo, no qual fazia parte da banda Sonic Youth – que finalizou suas atividades em 2011. O cineasta conta que Ranaldo fazia parte da sua vida desde a época da adolescência. Para complementar toda a força da relação da banda, havia uma necessidade de um produtor musical dentro do projeto. Já eram 4 integrantes do grupo, mais 2 compositores contratados e Gustavo, que também fez parte das composições. Precisava de alguém para juntar tudo.

“O artista, ás vezes, está tão envolvido com a criação, que ele não vê o tudo, e o produtor musical tem justamente esse papel, de perceber tudo, balancear melhor”, diz. “O Lee Ranaldo não estava na minha cabeça. A Ayla [protagonista] estava em um show dele aqui em Brasília e brinquei dela chamar ele para ser nosso produtor. Ela me mandou mensagem um tempo depois com o e-mail dele anotado. Quando mandamos, ele gostou da ideia e deu tudo certo”.

Ainda Temos a Imensidão da Noite tem, invarialmente, uma dimensão política. Ao falar sobre a cidade mãe do Brasil, nossa capital, trabalha sobre toda a relação do cosmo com os políticos. É algo que sempre se relaciona com o local. Como o artista mesmo contou, “quem não é de Brasília e pensa em Brasília só vem na cabeça rock e política”. Por isso, ao abordar esse espaço, acaba por ser necessário passar a entrar na dimensão mais filosófica da questão.

Isso tudo ainda soma o fato de Gustavo Galvão ter iniciado todo o projeto em 2011. De lá até agora, “tudo mudou”, por isso a relação mais forte politicamente da obra surgiu “de um jeito não tão consciente”. Era quase uma vontade de expurar certos demônios e relações do espaço da cidade, cada vez mais relevantes ao debate pbúblico da atualidade.

Quando eu falo que os espaços estão fechando, que as pessoas estão deixado ocupar esse espaço, e que músicos não conseguem atingir o público, e que não conseguem chegar na sociedade. Eu acho que sim, ele tem um aspecto político, mas no sentido de mostrar para as pessoas que talvez a gente esteja acomodado demais. E o músico sente isso na pele, porque ele precisa viver da plateia”, continua. “Brasilia é um projeto que deu errado, na minha opinião, mas ainda temos tempo de corrigir isso.  Eu acho que o papel do filme não é achar soluções, é incentivar o debate. O que eu posso dizer é que a Karen me inspira muito, a partir do momento que eu vi ela tomando corpo, tudo foi me comovendo mais e mais. Eu acho que não desistir já é um primeiro passo. Seguir na batalha já é um passo importante. Ela está cercada de pessoas que vão desistindo. Acho que o artista não pode ceder esse tipo de terrorismo. Nós, como público, temos que entender que temos uma parte nisso também.”

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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