O fogo e a erupção social em RASGACABEZA

“O fogo é ritual, é reação, pulsante, viva”.

A primeira frase de “CHAMA ADRENALINA:: gasolina”, faixa de abertura de RASGACABEZA, novo álbum da banda Francisco, el hombre, já da a noção temática que será tratada aqui. Diferente do clima mais descontraído e uma mistura de pop/latino que SOLTASBRUXA trazia, o grupo não tem medo de mostrar quase um trabalho punk. Pode soar esquisito ou distante para os mais puristas, porém fica claro como o estilo dançante de antes se faz presente. A questão é que os tempos políticos são outros. Se antes “Bolso Nada” criticava o presidente quando ainda era deputado, a eleição parece trazer uma ação mais direta. Por isso, o fogo se torna a imagem primordial das cabeças rasgadas.

Essa afronta mais direta aparece em diversas canções, entretanto isso já é demonstrado mais as claras logo em “CHÃO TETO PAREDE:: pegando fogo”. A descrição de um ambiente pegando fogo, como é dito literalmente, parece mais literal, mas se torna metafórica conforme a faixa avança. Não é a toa que o fogo elucide quase de forma a mostrar um protesto, com a polícia, igreja, circo, praça, a rua ‘pegando fogo’. Parece a transformação mesmo de uma ebulição social se formando.

Com a chegada de “TRAVOU:: tela azul”, a batida eletrônica torna-se um ponto central para sua narrativa. Liricamente, existe ainda um despejo meio por baixo dos panos sobre uma questão de alienação, da cidade como uma maneira também de opressão não apenas especificas, porém simplesmente sobre se sentir preso em um meio. A fala ‘Uma ironia de morar no centro é caminhar até a Liberdade’, logo no início, já traz essa correlação semiótica sobre uma maneira de observação da realidade.

Todo esse enfervecimento ainda se traduz em “ENCALDEIRANDO :: aqui dentro tá quente”. Novamente, uma descrição de algo mais aberto, qualquer, podendo ser até uma festa. Todavia, a letra própria mostra que ‘ideia aqui não queima’ e ‘tá com medo do que?’. “PARAFUSO SOLTO :: ponto morto” causa uma relação também em torno de uma geração desse novo ideal político, causando a construção dos signos de uma pessoa mais calma se tornando revoltada, crítica. Inclusive, a criação lírica em torno de uma engrenagem de carro transforma todo um conceito de maneira mais fortificada, quase como se criasse um robô, um ser novo em torno das próprias peças automotivas.

Interessante dentro dessas canções é uma performance musical mais pautada em uma gigantesca mistura de punk, eletrônico, latino e pop. Essas relações (principalmente o primeiro gênero) ainda gera toda a fomentação de contestação presente na história não apenas do gênero musical, mas também no movimento. Vale lembrar, inclusive, que grande parte dos membros vieram antes de grupos punk. O dançante é uma espécie de quebra, formalizando uma conjunção rítmica bem própria, sem perder as essências associadas agora ao nome mesmo Francisco. Mesmo havendo quebras mais lentas – destacando em todo o CD para “O TEMPO É SUA MORADA :: celebrar”, aonde parece bem mais um respiro, causando uma certa estranheza -, o clima sempre pulsante busca o público sentir a energia o tempo todo.

“MANDA BALA FOGO :: não preciso de você” é bem forte na relação entre forma e conteúdo. Sendo praticamente falada em vez de propriamente cantada, lembrando bastante o rap, e salientando a velocidade de uma força contínua. Novamente a imagem do fogo é quase intrínseca, trazendo uma fala conversando com quem ouve, como se tivesse dizendo a situação do eu lírico em relação a essa ebulição. Por essa tanta proximidade, é uma forma também de uma chamada, um convite a lutar.

Por fim, “SE HOJE TÁ ASSIM :: imagina o amanhã” gera um alerta bem claro aos jovens e às futuras gerações. Uma maneira de trazer toda essa transformação do fogo social em algo realmente diferenciado, uma mudança propriamente dita. A relação entre criatura, viatura e censura tornam essa faixa ainda mais forte, com uma conotação a exigir o olho sempre estar aberto para a política. O verso ‘Viatura dita o medo, na moldura, retrocedo, de censura, vive o medo, criatura, surto cedo’ é o grande reforçador temático de toda essa ebulição, uma lembrança do todo na qual sempre rondará. Entretanto, apesar disso, a frase final (‘Isso não vai ficar assim, te garanto!’) fecha todo o conceito do fogo, de não apagar essa chama, que é tão clamada pela obra.

Após um início não apenas de sucesso, mas também de fãs pelo mundo, Francisco, el hombre olha para o momento do Brasil de maneira totalmente direta no debate. Se existe uma fala em torno de uma disputa cultural, RASGACABEZA quer realmente abrir a cabeça do público, para estar mais presente nessa geração do fogo, de uma força social necessária. A banda quer mesmo é falar no ouvido de todos os monótonos diariamente a acordarem e perceberem o fogaréu acontecendo em torno deles, enquanto deveriam estar ajudando a colocá-lo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *