Os 50 anos de Era Uma Vez no Oeste
Câmeras bem fechadas nos rostos dos personagens. A trilha sonora sempre extremamente orquestral e recheada de assovios. Clima de tensão no ar. A estética do faroeste está entranhada na cultura popular, até mesmo aos que nunca assistiram a um filme do gênero. Todavia, esse padrão presente no imaginário coletivo de se fazer cinema não surgiu nos clássicos americanos feitos pelo cineasta John Ford. Quem realmente instaurou essa maneira de realizar os westerns (como ficaram conhecidos os faroestes) foi o italiano Sergio Leone.
Antes de realizar Era Uma Vez no Oeste, Leone fez uma parceria infalível com o renomado ator Clint Eastwood: a trilogia do homem sem nome ou também conhecida como trilogia dos dólares. Por Um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito estabeleceram uma nova forma da linguagem cinematográfica poder ser contada nos longas do velho oeste.
“O que mais chamou atenção no [Sergio] Leone era a maneira que ele fazia a linguagem fotográfica. Com os close-ups extremos que ele fazia com todos os seus personagens. Ali, na mesma cena, ele fazia toda uma relação entre movimento e emoção só com a câmera e os seus closes, algo realmente novo no cinema”, relata o crítico de cinema Mario Abbade. Para o crítico, “Leone definia os espaços que iam ser dominados, sempre criando um suspense e uma forma de espantar com o aparecimento de figuras míticas, intimidadoras. Os personagens surgem, literalmente, do nada, como se fosse uma coisa mágica. É algo meio da irrealidade mesmo”.
O filme que mudaria tudo
Após realizar a trinca de filmes, a carreira do diretor deslanchou, principalmente pelo estrondoso sucesso de Três Homens em Conflito, seja com a crítica, seja com o público. Os estúdios começaram a fazer uma pressão para um rápido retorno seu a esse universo mítico dos Estados Unidos, porém, dessa vez, ele queria realizar tudo à sua maneira. Foi assim que surgiu Era Uma Vez no Oeste.
Diferente do dinâmico cinema produzido durante os anos 60, o longa resolve começar com um gigantesco silêncio (detalhe esse importantíssimo dentro da obra do italiano). São praticamente 15 minutos de um estrondoso vazio, gerando a tensão de três forasteiros esperando a chegada de alguém ou alguma coisa. Leone – novamente contrastando com sua filmografia e tudo do faroeste produzido antes – resolve trazer a essência de como foi a construção do oeste estadunidense. O vazio e o silêncio dos desertos eram interrompidos pela chegada dos trens e é isso que ele põe em tela, finalizando uma das cenas de abertura mais renomadas da sétima arte.
“O Leone tem essa ideia de reinterpretação da essência humana, uma certa justaposição dos filmes de John Ford. Ao contrário do Ford, que usava essa relação dos desertos e dos colonos, ele faz um outro debate, gera um outro contraste, da luta do americano contra essa fronteira do novo mundo”, continua Abbade. “A diferença eram que os faroestes americanos tinham toda aquele ideal bem patriótico. Os faroestes spaghetti [como eram chamados os filmes do gênero produzidos na Itália] retratam mais os sem leis, trazendo um lado mais cinzento e é bastante disso que o Leone faz. Difere daquele ideal de bem e mal do John Ford. ”
O também crítico de cinema Marcelo Janot corrobora com a afirmativa da mudança que Leone provocou no faroeste, causando uma ruptura nos clássicos americanos. “Com seus filmes, Leone rompeu com a tradição do western americano estrelado por heróis imaculados, em cavalos idem, colocando como protagonistas caçadores de recompensa, mercenários, homens misteriosos e maltrapilhos em busca de vingança. O tempo narrativo mais lento, a nova maneira de se filmar os duelos, a importância narrativa da trilha sonora, tudo isso inovou e marcou época”, afirma.
A trilha sonora de Ennio Morricone também se tornou um fator a parte dentro da obra, para além de seu lado histórico. Vencedor do Oscar de Trilha Sonora por Os Oito Odiados, de Quentin Tarantino, Morricone já havia feito sucesso com sua inesquecível “The Ecstasy of Gold”, na qual se tornou uma música padrão para todo o velho oeste, em Três Homens em Conflito. No seu trabalho aqui, o músico realizou temas para cada um dos protagonistas, uma novidade para a época. Os personagens de Claudia Cardinale, Henry Fonda, Jason Robards e Charles Bronson possuem seus temas e suas mitologias próprias, criadas apenas através das canções em conjunto ao andar da história.
Dali para frente
Não apenas por Era Uma Vez no Oeste, mas o ano de 1968 é marcado no cinema como único também devido ao lançamento de 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Em um período de renovação e crítica na maneira de fazer essa arte (expressadas principalmente pela Nouvelle Vague, com François Truffaut e Jean Luc-Godard), a modernização dentro do faroeste e da ficção-científica representaram um reinício para esses gêneros. A grande distinção, no entanto, foram os seus futuros.
Enquanto a ficção-científica ganhou cada vez mais força com séries, filmes e livros, protagonizados pela saga Star Wars na década de 70, o faroeste foi se transformando em um estilo quase renegado. Seu histórico não foi nada tão agradável assim, com uma cerca tentativa contemporânea de revitaliza-lo em uma nova roupagem, como foi realizado em Onde os Fracos Não Têm Vez, A Qualquer Custo, entre outros.
Muito mais do que a sua classe própria, Era Uma Vez no Oeste marcou uma revolução na forma de produzir cinema, sendo uma influência fortíssima na ação dos anos posteriores, como em Operação França, Taxi Driver e Mad Max. Ao relacionar o melodramático italiano com toda a construção de expansão para o oeste, Sergio Leone criou um filme único e atemporal, não merecendo ser esquecido 50 anos depois.
“[O filme] Continua servindo de inspiração para o gênero, seja através de citações em filmes como o desenho “Rango” ou no cinema de Quentin Tarantino. É um filme que jamais ficará datado”, finaliza Janot.