Os 75 anos de A Revolução dos Bichos e suas lições através dos tempos
“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”. A frase do clássico livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, é a grande representação da obra. Publicado 4 anos de 1984, que talvez seja sua produção mais marcante, esse trabalho ressalta um papel temporal muito forte. Não à toa, trouxe um intenso debate para o período político do mundo, que se reverberou durante o século XX como um tudo e ainda traz ecos presentes. Essa questão é bem simples: Orwell não define os lados muito claro. Para alguns, pode ser uma crítica severa ao stalinismo, doutrina que dominava a União Soviética capitaneada por Josef Stalin. Para outros, bate no fascismo e a sua relação próxima ao capitalismo.
Porém, antes de entrar nessa grande seara política que fragmentou os anos 1900, é importante – especialmente para aqueles que nunca leram – falar sobre do que trata o livro. E o título, nesse caso, diz tudo. É literalmente sobre uma revolução de bichos. E quem é o grande líder por trás dela: Major, um porco velho, que reúne os animais de uma fazenda para falar sobre uma ideia: os animais criaram um governo próprio, sem poder ser explorados pelos homens. A igualdade entre seres considerados irracionais (sob nossa perspectiva) é o grande ideário do Animalismo, essa filosofia comandada pelo porco. O problema é que Major acaba falecendo e os outros porcos mais novos, Bola-de-Neve e Napoleão, passam a se reunir e criam a estratégia para uma revolução acontecer. Quando o proprietário da fazenda erra em uma distribuição de alimentos, torna-se o estopim para que a revolta aconteça. O local agora possui o nome de Quinta dos Animais (em referência ao nome anterior, Quinta Manor).
É bem claro como realmente parece que George traz uma relação com a União Soviética. O país, que havia passado por uma revolução socialista em 1917, se tornou o grande centro para os comunistas do período. Uma espécie de meca particular, pouquíssimo críticada – o que acabaria mudando bastante após a morte de Stalin, em 1953. Assim, o autor, como socialista, era um dos defensedores do governo no início, porém transformou-se em crítico constante conforme o passar do tempo. Assim, as referências claras dentro de A Revolução dos Bichos para com o país são: Major seria Lenin, ainda mais pelo fato de morrer sem poder “desfrutar” totalmente da revolta; Bola-de-Neve seria Leon Trostsky, que acaba perdendo espaço e chega até a ser perseguido pelo grupo rival que assume o poder; e esse seria Napoleão, representando Stalin.
As particularidades nas referências deixam claro que podemos estar realmente abordando uma conexão clara. Contudo, outros ainda acreditam que a obra está, na realidade, tratando sobre o fascismo, que vivia seu período auge na época da publicação. 1945, o ano em que sai, representa o fim da Segunda Guerra Mundial, que traria a derrocada da Alemanha Nazista e da Itália também sob regime totalitário de extrema-direita. Contudo, a ideologia perdudaria forte na Espanha, sob o franquismo, e em Portugal, o salazarismo. Ambos os regimes só cairiam nos anos 70, algumas décadas depois.
Essa representação bastante dúbia traz um elemento fundamental para que uma produção artística possa ser discutida ao longo do tempo: a falta de clareza. E não digo isso sob uma perspectiva negativa, mas positiva. Afinal, é isso que as mantém relevante pela eternidade. O século XX, marcado pelo confronto entre comunismo e capitalismo, seria levado por diversos embates e elementos. Entre esses, estava A Revolução dos Bichos, que serviu como uma máxima crítica ao regime totalitário da extrema-esquerda. E isso a tornou mais interessante ainda sob o elemento de Orwell ser um socialista convicto, tendo inclusive lutado na Guerra Civil Espanhola nos anos 30 contra Franco – a quem cito anteriormente.
Acima de tudo, a perspectiva filosófica parece ser o preferencial para a genialidade de George Orwell, visto que esse seu trabalho ainda perdura em uma contemporaneidade. Hoje, vivendo na realidade de um retorno do fascismo e de um confronto acusatório de lados, que trouxe guerra civis para diversos países ao redor do globo, como no caso da Venezuela, é interessante perceber sua realidade nos tempos que vivemos. Acima de tudo, é ainda mais curioso perceber o autor ter sido usado e ainda ser por membros da direita, no conceito da sua crítica ferrenha. A crítica deve vir sempre para um lado de crescimento, que seja de uma sociedade como um todo e ela não deve ser usada apenas como um mero ataque ideológico. Entretanto, as diversas acusações permanencem, como é fácil digitar o título do livro na internet e ver relações com PT e o bolsonarismo. Estariam elas erradas ou certas? Talvez a dubiedade do artista responda.
A deturpação, 75 anos após seu lançamento, parece ainda ser vista como prioritária dentro da produção de um maiores escritores do século XX. Para além desses elementos, Orwell é uma espécie de senhor do tempo, por entender sua realidade de maneira tão precisa e tão complexa, que ainda não deixa claro de quem poderíamos estar falando até hoje. O mais curioso é que, apesar de falar do totalitarismo, essa máxima da frase que inicia este texto, todavia, parece ainda presente até mesmo dentro das nossas vidas pacatamente democráticas. Ou será que realmente somos todos iguais perante a lei?