Política, racismo, cinema: Tudo isso é Infiltrado na Klan

Ron, você é um porco?

O questionamento da personagem Patrice Dumas (Laura Harrier) ao protagonista Ron Stallworth (John David Washington) é muito mais do que uma simples pergunta. Ela questiona o quanto um policial negro também não é conivente com a opressão contra os negros, com um contra-argumento dele, buscando quebrar o sistema por dentro. Muito mais do que um simples diálogo, esse paralelo relativo mostra como o verdadeiro Stallworth conseguiu quebrar a Ku Klux Klan (KKK) por dentro. E mostrar muito mais uma faceta do racismo absurda em nossa sociedade.

Na história de Infiltrado na Klan (sob o título original de BlackKksman), Ron é o primeiro negro a conseguir entrar na tropa policial de sua cidade. Após ver a notícia em um jornal que a KKK busca novos membros, ele resolve fingir para tentar infiltração dentro dessa organização, porém sem poder aparecer presencialmente, fato esse que fica a cargo de Flip Zimmerman (Adam Driver), um policial branco e judeu. Ele tentará, então, acabar com os planos do grupo supremacista.

Existe um lado bem claro direcional dentro do filme. O diretor Spike Lee já é reconhecido pelo seu cinema extremamente político dentro da questão racial e ele não foge dessa temática, totalmente intrínseca à narrativa. Lee tenta em todos os momentos mostrar facetas de como o racismo é perpetuado na sociedade, como nas relações de subordinação policial, no fato das características físicas negras, dentre outras coisas. Inicialmente, essa discriminação institucional se torna mais relevante para a discussão, até a entrada do conflito principal do longa. A partir desse ponto, há uma ridicularização inicial da KKK, algo próximo ao que realizado por Quentin Tarantino em Django Livre, até a própria trama demonstrar o real perigo que esses homens representavam. Todavia, essa transição da comédia para um verdadeiro drama é sútil, plena e serena, acabando por gerar determinados momentos até de um constrangimento interno do público.

Além disso, o cineasta retoma o conceito do orgulho negro, tão importante para o debate dos direitos civis dessa população nos Estados Unidos durante o período. Muito além dos conteúdos mais ligados a fisicalidade – como dito anteriormente -, existe uma valorização da própria cultura e história negra, com um grande espaço para músicas e danças do período (com destaque para o momento musical na boate ao som de “Too Late To Turn Back Now”), um debate sobre a representação do blaxploitation, entre mais.

Como dito acima, o racismo institucionalizado é um tema focal no início da película, porém acaba por ser menos abordado nas relações entre os personagens, mas não esquecido dentro do assunto abordado. Com isso, Spike aborda essa retratação estereotipada do cinema e da arte perante os negros. Inicialmente, ele realiza na cena de abertura, com o desprezo pela morte, se complementando ao discurso bizarro narrado por Alec Baldwin, em uma curta participação. Em seguida, isso é externalizado na representação feita no filme de 1915, comandado por D.W. Griffith, O Nascimento de Uma Nação, com morte dos negros sendo comemorados pelo grupo branco em uma montagem paralela para um homem contando a história da força dos grupos políticos negros, com demonstrações de pinturas atrás, feitas por esses. É a representação que esse povo busca criar algo novo feito por eles mesmos, como a própria obra audiovisual em si.

Nessa mistura de comicidade e drama, o destaque se dá em torno do intérprete do protagonista, por John Davis Washington. Esse, com seu estilo e discurso mais moderado inicialmente, se vê preso em diversas situações tensas sobre a questão de raça ao longo dos acontecimentos. Em um desses instantes, ele busca diversas cápsulas de bala espalhadas pela grama após um treinamento dos supremacistas. O alvo desse treino? Diversas figuras negras correndo. Para além de uma imagem extremamente representativa de tudo na qual o mesmo está vivendo, existe uma carga bem pesada sob seus ombros. Essa transição na performance se dá especialmente no olhar, já que ele observa esse grupo como até “bobo”, porém possuindo um medo profundo para com os mesmos – vide a cena na qual se vê a comemoração na produção de Griffith.

David Duke (Topher Grace), comandante da KKK na época, no filme. O político, ainda vivo, falou que o próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, “soa como nós”.

Existe também um excelente trabalho de recomposição de época, muito bem pensado pelo diretor de arte Marci Mudd. É um elemento que se apresenta desde um lado mais demonstrativo, como nas roupas extravagantes, até os pontos mais sutis do enredo, algo bem exemplificado na reunião próximo ao clímax, onde é possível ver um cartaz para reeleição do presidente Nixon. Imagens do período também geram um tom importante para entendimento do generalizado problema social enfrentado e nunca finalizado.

Infiltrado na Klan é um dos melhores longas de Spike Lee em anos, voltando a explorar mais sua veia de cinema político, esquecida recentemente. Em vez de buscar focalizar na investigação do caso em si, há uma tratativa necessidade de explorar o pano de fundo do ocorrido, mostrando a adversidade gigantesca enfrentada pelos movimentos negros no período. Lee, todavia, faz questão de rememorar que esse problema não é passado, mas sim um eterno presente, no sentido de tempo da palavra. Com a demonstração das manifestações de supremacistas brancos no ano de 2017 e a relativização desse discurso pelo presidente americano Donald Trump, é rememorado que a luta de Ron nos anos 70 é um distúrbio na sociedade, devendo ser batalhado por todos no mundo. Inclusive em nosso país.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *