Procura-se Amy: A fragilidade masculina e as incertezas da vida
Men need to believe that they’re Marco Fucking Polo when it comes to sex.
Homens são seres orgulhosos, especialmente no mundinho fechado do universo hétero. Quando estão com uma mulher, passado e presente se colidem e tornam-se um único período: não basta o fato de estarem preenchidos emocionalmente por agora, querem ter certeza de que estão ocupando todos os espaços, como se, caso alguém tivesse antes ocupado, seus rastros ainda estivessem lá.
A grande contradição em “Procura-se Amy”, é que Holden, personagem de Ben Affleck, aceita muito mais rápido o fato de que Alyssa, moça por quem está apaixonado, também gosta de mulheres, do que suas relações anteriores com outros homens. Talvez por sua ignorância e ingenuidade, e também por diversas fantasias sexuais não-explicitadas de juventude, seja muito mais fácil “trocar” de lugar com mulheres que estiveram com seu atual par do que com homens. Apesar do desconhecimento e da surpresa ao ver que Alyssa gostava de pessoas do mesmo sexo, concordar com essa realidade era só uma questão de se adequar ao “padrão social” de que homens devem ficar com mulheres e vice-versa.
A crença, existente no universo hétero, de que, uma vez com pares do sexo oposto, seu parceiro ou sua parceira estará isento(a) da ideia de sentir atração por outras pessoas, especialmente as que não condizem com o “padrão” estabelecido se aplica aos pensamentos imaturos de Holden. Sendo assim, durante sua relação com Alyssa, ele acaba “esquecendo” de que é uma exceção na vida dela, e, como exceção, deveria valorizar sua posição.
O esquecimento não é proposital; vem da fragilidade de seu ego e do mau costume em lidar com frustrações. Tal situação, ressonando na máxima de que homens sentem-se como exploradores de territórios desconhecidos quando se trata do sexo oposto, acaba levando Holden a se sabotar ao descobrir que Alyssa também tinha um passado com homens, além das mulheres que passaram por sua vida. Todas as ações de Holden a partir daí são reflexos de sua incapacidade e até desconhecimento em lidar com a sexualidade de Alyssa, colocando na frente da vontade de tê-la para si o medo de perdê-la, não importa mais para quem.
Confuso e desnorteado, Holden usa seu melhor amigo e companheiro de apartamento, Banky, como isca para conseguir chamar a atenção de Alyssa. Tendo sabido que ela havia se relacionado com mais de um homem no mesmo instante, idealiza um tipo de relação simbiótica entre sua amada e seu melhor amigo, onde ele poderia ter os dois sem perder nenhum. Obviamente, seu orgulho e falta de tato para o momento o fazem pensar que está seguindo um caminho seguro para ele, e, principalmente, Alyssa, fazendo-a reviver um passado que não a pertence mais em prol de encaixar a peça correta do quebra-cabeça que virou a relação deles.
É justamente aí que mora a esperteza do filme e o ápice da maturidade de Kevin Smith como diretor e roteirista. Em entrevista, Smith diz que, ao gravar o longa, tinha em mente a proposta de pensar fora de sua “caixinha hétero”. Como fazer isso? Simples, adicionando à sua comédia romântica comentários acerca da imaturidade que ele mesmo devia ter na época (é sabido que o argumento do filme é baseado na relação entre Smith e Joey Lauren Adams, atriz que interpreta Alyssa) e também expor a um “público mainstream” as dificuldades de aceitar as diferenças para alguém que nasceu com um pensamento certeiro: sexo gera reprodução.
Nesse sentido, os diálogos pontuam bem demais as intenções do diretor e roteirista. Em diversos momentos eles soam repetitivos, como se uma professora do ensino fundamental estivesse explicando para crianças a respeito dos órgãos genitais e suas funções, mas o lance expositivo, aqui, não só é necessário para o discurso a ser reproduzido, mas também estampa de forma muito explícita a infantilidade não-proposital de homens que achavam conhecer tudo sobre sexo, mas que esqueciam que tudo o que sabiam esbarrava em seus pintos.
Ponto-chave do filme, Alyssa é o contraponto às questões problemáticas que cercam as falas dos personagens héteros. Para cada chiado incoerente e pergunta propositalmente boba, existe uma Alyssa resistente e centrada em desconstruir (e, porque não, reconstruir) as falas machistas. É no mínimo curiosa uma cena em que Alyssa e Holden estão apreciando um esporte cuja força motriz reside no fanatismo que homens aplicam a ele, como se fosse sua religião, e Holden é interrompido por berros e xingamentos de sua namorada. Essa simples cena, que dura poucos minutos, representa bem o contraste entre os dois: Alyssa não se prende a um estereotipo pré-estabelecido. Ela vive e expõe quem é sem se reter a rótulos, ao contrário de Holden, que, preso em seus próprios pensamentos pequenos, mantém sua masculinidade intacta e preservada.
Entre discussões existenciais acerca de um relacionamento fadado ao fracasso e piadas machistas balanceadas por comentários construtivos com fins educativos, quase didáticos, acerca das relações carnais entre seres humanos, “Procura-se Amy” é um excelente filme mal-julgado e infelizmente considerado datado, quando na verdade o acho mais atual do que nunca.