Quando o Brasil venceu o Festival de Cannes
Nessa última terça-feira (dia 8 de maio) começou mais uma edição do festival cinematográfico mais glamouroso do mundo: o Festival de Cannes. Responsável por consagrar títulos como Pulp Fiction, Apocalypse Now e A Árvore da Vida, é uma das premiações onde o cinema brasileiro possui mais relevância mundialmente.
Mesmo sem muitas celebrações, as 34 participações nacionais – sendo a última o elogiadíssimo “Aquarius”– demonstram que o nosso cinema, de fato, tem muita força no exterior. Falando nisso, é imprescindível não deixar de comentar o ano de 1962, quando o Brasil ganhou a Palma de Ouro na 8ª edição do festival com O Pagador de Promessas. Ainda que seja uma memória distante, é impossível esquecer essa vitória e seu peso para o patrimônio nacional.
Baseado em uma peça teatral de Dias Gomes, o longa conta a história de Zé do Burro, que faz uma promessa em um terreiro de Candomblé. Depois, ele precisa pagar essa promessa levando uma pesada cruz de madeira através de uma cidade no interior da Bahia. A obra é dirigida por Anselmo Duarte e tem Leonardo Villar e Glória Menezes nos papéis principais.
Muito mais que uma mensagem poderosa sobre intolerância religiosa e racismo no meio da década de 60, o filme representa uma grande ruptura com os movimentos do período, mas de uma maneira diferente. Em terras tupiniquins, o Cinema Novo começava a despertar com força – viria ainda mais forte alguns anos depois com a ditadura civil-militar -, com uma considerável influência de alguns movimentos cinematográficos europeus, como a “nouvelle vague” francesa e o neorrealismo italiano. Sendo assim, Duarte sofreu imensas críticas quando teve a ideia de adaptar a obra para as telonas, sendo chamado de “anti-modernista” por muitos artistas do período.
Esse debate acarretou em uma mística histórica de descobrimento artístico do Brasil para gerações futuras ao acontecimento. O diretor, falecido em 2009, morreu dizendo até o fim que nunca teve a devida valorização de seu trabalho no país.
O complemento da vitória no Festival de Cannes aconteceu apenas no início do ano seguinte, quando o longa também foi lembrado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Ainda que não tenha sido vitorioso, a indicação abriu os olhos estrangeiros ao mercado sul-americano de produção cinematográfica. A valorização de obras como Cidade de Deus não seria possível sem o trabalho pioneiro realizado por Anselmo Duarte há 56 anos.
O Pagador de Promessas se tornou, portanto, muito mais que um filme para o Brasil. Em momentos de extensos debates sobre a qualidade (ou falta dela) do cinema nacional, é curioso como um trabalho tão grandioso e importante não tenha a valorização que merece. Talvez, em um futuro próximo possamos comemorar o reconhecimento em um festival de dimensões tão grandes. E é melhor estarmos preparados para lembrar e valorizar a vitória de uma já cansada batalha.