Quem é Junji Ito, um dos mestres do terror nos mangás?
Nascido do medo. Talvez essa seja a melhor forma de descrever o mangaká Junji Ito, um dos maiores nomes dos quadrinhos japoneses de todos os tempos. Mas não apenas de uma forma geral, mas também dentro de um gênero que sempre foi marcado bastante no Japão: no terror. Com obras como Uzumaki, Gyo e Tomie, ele estabeleceu uma forma espécie de formação do horror dentro dos mangás, utilizando o lado sobrenatural e também psicológico.
Porém, sua trajetória iniciou de uma forma bem normal. Ito nasceu no ano de 1963 em Gifu, no Japão. Desde novo, se viu inspirado para a produção artística por ter irmãs desenhistas, o que o fez ter contato com nomes como Kazuo Umezu e Shinichi Koga, inspirações claras para futuramente. Longe das grandes cidades, ele nasceu e viveu boa parte da vida no campo, com um contato frequente com muitos animais, como grilos e aranhas. Essa questão, especialmente o medo desses bichos, foi de forte lembrança para temáticas futuras de suas obras.
Mesmo tendo esse contato, o desenho e os roteiros eram hobbies, já que o artista começou a trabalhar na área de odontologia. Ele era técnico e isso ocorreu por boa parte dos anos 80, para poder tirar sua subsistência – difícil no período de queda econômica do Japão. O ano de 1987, porém, mudou tudo, quando Junji Ito resolveu enviar um conto para a revista Monthly Halloween, ganhando uma menção honrosa no prêmio de 1989 em homenagem à Kazuo Umezu, um de seus ídolos. Na época, o mangaká já tinha mais de 30 anos. Com ele presente como juiz, a inspiração foi bem forte para um fortalecimento de que aquela seria a carreira a ser seguida. E o conto? Foi transformado, futuramente, em Tomie, o primeiro – e talvez mais marcante – trabalho do quadrinista.
Na obra, agora publicada de forma completa no Brasil pela editora Pipoca e Nanquim, acompanhamos a história de Tomie Kawakami. Ela é uma mulher que pode morrer, mas sempre volta e, caso você se depare com ela, o destino está traçado para sempre. Através de seus poderes e de um rosto sedutor, a protagonista se usa dessas habilidades para matar diversos homens pelo país. A HQ foi serializada de 87 até 2000, se transformando em uma das mais influentes do terror pelo território japonês. Já constam nove filmes adaptados de Tomie.
A introdução desse quadrinho, que também é sua introdução no mundo dos mangás, é uma ótima porta de entrada para os conceitos que Ito costuma trabalhar. Morte, medo, bizarro, inveja, ciúme e mais. Todos esses elementos são utilizados para explorarem narrativas de horror mais clássico, com figuras monstruosas, por exemplo, mas também para abusar do desenvolvimento de um lado psicológico inevitável. Nesse sentido, é possível lembrar uma outra grande influência também em seus escritos e desenhos: H.P. Lovecraft.
Após a finalização de Tomie, Junji Ito teve um período de forte produção. Foi nessa época que apareceram Gyo, Uzumaki – ambas publicadas pela editora Devir -, e muitas outras histórias curtas. Uma das mais admiradas pelos fãs é The Enigma of Amigara Fault, uma publicação curta que busca discutir o espaço dos seres humanos na Terra, a mortalidade e também a busca pelo impossível. Isso tudo, obviamente, em uma história de terror. Alguns contos em quadrinhos publicados por ele estão em Fragmentos do Horror, que saiu aqui no país pela Darkside Books.
Em Gyo, vemos a história de Tadashi e Kaori que vão passar férias em uma pequena ilha ao sul do Japão. Após um mergulho, começam a sentir um estranho odor e logo descobrem que se trata de um peixe apodrecido em terra firma com pernas mecânicas. Já Uzumaki, vai tratar sobre diversos estranhos acontecimentos que ocorrem em Kurôzu, um pequeno local em que Kirie Goshima cresceu. O fenômeno começa a provocar alguns estranhos remedinhos, que começam a afetar também os humanos. A maldição, no entanto, parece estar chegando cada vez mais perto de todos.
Enquanto em muitas obras audiovisuais de terror o susto está logo na próxima cena, no trabalho de um quadrinho isso é feita de forma diferente. Assim, Ito tem um apreço específico pelo absurdo e pelo grotesco, com o que consegue criar diversas narrativas retratando sempre rostos desfigurados e corpos mutilados, por exemplo. Tudo sai com a intenção de trazer a sensação de susto e medo, que são impossível sem maiores elementos senão a imaginação do telespectador. Dessa forma, são claras algumas pessoas inspiradas nas realizações do mangaká, como Shintaro Kago.
Mais recentemente, Junji Ito esteve envolvido com outras grandes produções clássicas do mundo da cultura pop. A primeira foi uma colaboração em um jogo da série Silent Hill. O projeto, que havia sido criado pela Konami, contaria com Guillermo Del Toro e Hideo Kojima. Além disso, mais recentemente, ele esteve envolvido na adaptação para quadrinhos de Frankenstein, o clássico livro de Mary Shelley. A adpatação, que ganhou o Esiner em 2019, é uma adaptação fiel ao original, mas com algumas mudanças mais profundas em seu final.
Com tudo isso, é bem claro perceber a influência e relevância do mangaká para a indústria de quadrinhos japoneses. Apesar de ter demorado a se transformar em um nome gigantesco, sua aparição foi essencial para uma mudança na perspectiva de mangás e animes no país oriental. Junji Ito produziu muito. Porém, ao mesmo tempo, tão pouco ao longo de sua carreira. Com seus mistérios e sustos mentais, ele se mostra, com quase 60 anos, ser capaz de ainda ter o posto de mestre do terror nas HQs japonesas.