Resenha – Fun (HQ)

A história do jornal New York World, que durou entre os anos de 1860 até 1931, é bastante curiosa dentro de diversos repertórios. Primeiramente pelo fato de ter sido reconhecido como o primeiro veículo a publicar um quadrinho oficialmente – no caso, Yellow Kid. Em segundo lugar, por conta de ser considerado o primeiro lugar em que as palavras cruzadas foram usadas pela primeira vez. “E no que isso é relevante?”, você pode até se perguntar. Bom, pode ser apenas uma curiosidade, mas, para o autor italiano Paolo Bacilieri, é a possibilidade da construção de um mundo complexo e de personagens que parecem não ter definição. É isso que é Fun, sua HQ, publicada no Brasil pela editora Veneta.

Acompanhamos diversas frentes e lados nessa história. A primeira é a construção de como surgiram e se desenvolveram no mundo as palavras cruzadas. De que forma elas adentraram na cultura popular e se transformaram em um fenômeno que está na cabeça de qualquer pessoa pelo globo. Isso faz parte da pesquisa do novo livro do escritor Pippo Quester. É nesse ponto que começamos na perspectiva mais relevante da trama, para qual assistimos todo o trabalho de escrita dessa nova obra, ao mesmo tempo que vemos o início de sua amizade com o quadrinista Zeno.

Bacilieri desenvolve sempre a narrativa através de perspectivas múltiplas. Esse ponto é relevante de ser compreendido, já que ele será fundamental para a forma como a HQ aqui irá se desenvolver nos seus pequenos âmbitos. Por exemplo, toda o momento de escrita de Quester é tratado de maneira quase divina em Fun. Temos longas páginas de um amplo desenvolvimento de quadros, detalhamento e mais, tudo para consolidar como podemos entender a história e contexto desse livro que irá surgir. Tal elemento também se mostra importante para construir, de forma metafórica, o quebra-cabeça instalado dentro da cidade de Nova York – as primeiras páginas mostram bem a fixação nesse sentido.

Mas Fun parece também parece de olho na visão complexa de universo que esses personagens passam no presente. Desse jeito, todo o trabalho sob Zeno e sua maneira de observar o mundo de forma mais pura, já que seu trabalho é com quadrinhos (há até um certo debate travado entre literatura x HQ, porém de forma breve), o transforma em um grande cataclisma para esse enredo. Ele é uma parte frontal para todos os desenvolvimentos, ao mesmo tempo que parece uma figura deslocada na cidade de Milão, ainda mais por ter conhecido um autor pelo qual admira tanto. A relação dos dois nunca é deixada de forma tão clara, passando de, em alguns instantes, um olhar fraternal, para, em outros, quase uma forma de cooptação e uso.

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A grande genialidade dentro dessa obra é o trabalho de brincar com a própria formatação do mundo da nona arte com um quebra cabeça. Não há um ponto claro a ser seguido ou até mesmo uma possível interpretação a se tirar disso tudo – em um momento, Paolo até brinca com isso ao mostrar que há diversas possibilidades de ler uma sequência de quadros. Esse amplo escopo de possibilidades, que são claros desde o início, é o que tornam esse trabalho tão difuso e, ao mesmo tempo, buscando retratar uma real complexidade de mundo da cidade de Nova York durante o século XX e o mundo contemporâneo em Milão, na Itália. Mesmo distantes geograficamente, ambos apresentam camadas e situações extremamente similares. É como se vivessem e envolvessem qualquer um que mora ali rapidamente.

Desse jeito, Fun realmente se apropria da sua característica experimental. É um quadrinho que tem um prazer bem claro em explorar todas as possibilidades narrativas de um universo que busca diretamente abordar esses muitos âmbitos. Nesse sentido, Paolo Bacilieri cria uma obra prima que busca ser um pouco de tudo. E o melhor disso é que realmente consegue se transformar e ser algo gigantesco.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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