Crítica – Veneza

Há uma limiar entre o idílico e a realidade. Esse meio termo é fundamental para compreender de que forma as diversas narrativas podem caminhar de forma conjunta ou até causando uma separação cada vez mais clara de ambas. Nesse sentido, Veneza tem em sua história uma intenção de olhar para dois âmbitos bem distantes, cada um com especificações e desenvolvimentos próprios. Em um deles, acompanhamos o passado de Gringa (Carmen Maura), sendo uma prostituta e construindo um relacionamento com um homem que se apaixona. No entanto, atualmente, Gringa é uma idosa cega, vivendo com diversos surtos. Ela é dona de um bordel no interior do país, onde Tonho (Eduardo Moscovis), Rita (Dira Paes), Madalena (Carol Castro) e as outras moças trabalham. E eles vão atrás de conseguir realizar o sonho dela: ir até Veneza, na Itália.

A segunda direção do famoso ator Miguel Falabella é recheada com o elemento de disputa entre a fantasia e a realidade. É um trabalho até curioso de conseguir caminhar dentro desse local, rememorando até o uso do mesmo elemento – com o tema de prostitutas – de Sucker Punch, de Zack Snyder. Apesar disso, os longas em nada se parecem, já que lá há uma característica de ação e fantástica bem mais clara, enquanto aqui o elemento fundamental parece ser essa intenção de pretender fugir desse universo. Veneza rememora mais o trabalho de Kenji Mizoguchi em A Rua da Vergonha, ao olhar de maneira bem crua para o trabalho dessas mulheres.

Trata-se aqui, sobretudo, de um filme sobre sonhos. Falabella tem um olhar sempre de tratar seus personagens como seres que misturam a pureza com o desejo. É até curioso como essa característica se sustenta bem na narrativa pelo simples fato de estarmos tratando com prostitutas. Elas tem uma característica de trazer esse prazer para os homens, da mesma forma que também buscam um “retratamento” sobre sair dessa vida e buscar algo melhor. Desse jeito, o plot de Madalena acaba sendo o mais importante por retratar, junto de uma pessoa que se relaciona no bordel, um desenvolvimento de amor também, para o qual seja capaz de fugir, não apesar do irreal, mas também do real.

De todo jeito, o grande problema é a forma como Veneza retrata esse elemento de ida e volta do idílico e palpável. São sempre transições brutas, que acabam por nunca consolidar, de verdade, a maneira como entendemos os personagens principais. E isso se vale, especialmente, para Tonho e Rita, em uma relação que abre diversas portas – e acaba sendo um dos chamarizes na primeira parte da trama -, mas que simplesmente se esvai. Isso perpassa também para como os trabalhadores do circo aparecem no filme, quase que de um jeito simplista – tirando sua relevância.

Essa forma cria uma espécie de limbo entre os dois universos, que acabam nunca sendo realmente conectados na narrativas. É como se fossem partes totalmente separadas que tiveram que ser juntadas. Contudo, o diretor consegue, apesar de tudo, consolidar bem a junção desses universos na parte final do longa. É como se fosse um grande tratado para um desenvolvimento dramático que realmente acontece, porém que quase nunca chega a ir para frente.

Mesmo assim, a camada de delicadeza presente em Veneza talvez seja o elemento mais curioso e belo na construção de Miguel Falabella. Não é um filme que se propõe a observar diversas características e possibilidades do tratado e debate entre idílico e a realidade presente em toda a projeção. Contudo, é fundamental a forma como há um olhar tácito e até acolhedor para a complexidade dessas personas. Mesmo assim, tudo parece um tanto quanto descolado de uma linha a ser seguida. Desse jeito, enquanto poderíamos estar vendo uma grande obra prima, ela parece, a cada vez que se pensa, mais distante dessa marca.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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