Resenha – I Am Not Okay With This (HQ)
A adolescência de forma totalmente encarnada. Talvez seja assim que possamos chamar algumas produções de quadrinhos buscam um olhar extremamemente profundo desse momento da vida humana. Ghost World, de Daniel Clowes, é uma ótima exemplo disso, especialmente no uso da comédia para trabalhar esses tipos de situações. Ao mesmo tempo, mas de um ponto de vista muito mais dramático e complexo, a obra de Charles Burns também se enquadra nesse quesito, com, por exemplo, Black Hole. Nesse mundo de referências, é bem curioso como Charles Forsman olha com extremo respeito para os que vieram antes dele e busca fazer um conglomerado de análise, comédia e sofrimento.
É isso e um pouco mais que está presente em I Am Not Okay With This, um de seus trabalhos que agora é lançado no Brasil pela editora Skript (que, aliás, ganhou uma adaptação para a Netflix). É uma obra que está bem interessada no traquejo da vivência de mundo dos personagens, especialemente da protagonista: Sydney. Ela é uma garota que parece normal aos 15 anos de idade. Porém, com diversos problemas dentro da escola e de casa, começa a perceber que tem alguns poderes paranormais e pode atormentar quem tentar atormentá-la. Só que isso a torna cada vez mais traumatizada com o mundo em que vive.
É complexo chamar a HQ como uma obra que quer ser um alento ao público. Forsman não parece nada interessado em tecer qualquer comentário que coloque o leitor como alguém parte desse universo. Apesar disso, em muitos momentos ele consegue fazer o público criar um diálogo imediato com a personagem principal, especialmente no fato de acompanharmos sempre seus pensamentos e uma escrita – a qual entendemos no final. Todavia, está longe de ser um trabalho que quer ter uma empatia com algo ou gerar alguma questão. Por isso mesmo, a citação dos autores no início desse texto faz bastante sentido, pelo simples fato do autor não estar fazendo um trabalho de apontamento.
Nesse sentido, I Am Not Okay With This é muito mais um quadrinho que está de olho no estudo de personagem. Por exemplo, o olhar nada detalhado e sempre meio cru do uso dos poderes (que não busca ter nenhuma explicação), acaba sendo um grande ponto de relevância da forma como essa menina vê suas ferramentas de defesa nesse universo. Existe, é claro, um olhar metafórico sobre isso tudo, da maneira como ela lida com a exclusão social e o fato de se sentir solitária. Contudo, não é possível também tirar um caráter fantástico que a narrativa gosta de assumir em alguns momentos, especialmente ao retratar do medo.
E o quadrinista reforça todos esses elementos sempre em um caráter enigmático da forma como a trama vai andar. Os quadros são outro elemento fundalmente nisso, já que, sempre gigantescos, dão pouca margem para uma visualização maior dos acontecimentos. É como se estivéssemos apenas realmente numa visão de olho humano, na cabeça de Sydney, e fosse impossível fugir dela. Com isso, nunca sabemos diversos pormenores que a trama está abordando, como as amizades, a relação familiar e mais, já que pouco importa verdadeiramente isso quando o peso da vivência nessa fase é muito maior. E, isso, o autor sabe captar muito bem.
Charles Forsman não quer trazer para sua HQ I Am Not Okay With This um olhar crítico ou indefinido sobre a vida na juventude. É muito mais um caráter que é impossível descrever e, por isso mesmo, defender ou rebater as atitudes da personagem principal. É como se o quadrinho estivesse realmente pairando sobre uma realidade, mas nunca atrás de entender os lados dela. Se transforma em apenas uma grande demonstração, quase como uma exposição de museu. Mas não a visualização de um quadro feliz (ou de uma natureza morta), e sim da tragédia diante dos nossos olhos.