Crítica – Cadejo Blanco

Duas jovens estão escolhendo roupas para sair, uma cena comum da juventude. Uma delas, Bea (Pamela Martinez) prefere trajes mais provocantes, e é a mais empolgada para sair. A outra, Sarita (Karen Martinez) está relutando em sair, indo mais na onda de sua irmã, que diz que é importante que esteja na festa que irá acontecer. Sarita tenta escolher roupas mais conservadoras, mas novamente se rende aos protestos de Bea. Tudo aponta para uma noite normal com as jovens saindo para se divertir.

Mas Cadejo Blanco não é um filme sobre uma juventude normal, e após Bea não retornar para casa depois da festa, Sarita entra em contato com um mundo que vivia às margens do dela, sempre ameaçando se misturar com o seu por meio do pai, que está preso por um motivo indeterminado. Para descobrir o paradeiro de sua irmã, Sarita vai entrar no submundo das gangues juvenis mexicanas, e não será fácil de voltar disso quando ela conseguir as respostas que deseja.

Em Cadejo Blanco, o diretor Justin Lerner apresenta uma narrativa com ares de Alice no País das Maravilhas, com uma jovem adentrando um mundo que ela não compreende muito bem. Mas no lugar de coelhos paranóicos com o horário, temos jovens paranóicos com a possibilidade de terem sido seguidos. Ao invés de um gato sorridente, adultos que sorriem com lascividade para meninas muito mais jovens que eles. Mas também há uma certa perversão da ideia de Terra do Nunca presente nas histórias de Peter Pan, já que a gangue que a protagonista se infiltra é composta inteiramente de pessoas jovens, que encontraram uma maneira triste de não envelhecer, que é morrer jovem. A vida vale muito pouco aqui.

Mas mesmo com tantos toques do mundo dos contos de fada, o longa aposta em uma postura realista, com planos e movimentos de câmera sempre com o “pé no chão”, além da forte denúncia social das desigualdades da Guatemala. Sarita se envolve com um jovem rico no ínicio do filme, mas este tem medo de assumi-la e vive em um condomínio isolado de tudo, quando a personagem vai visitá-lo durante uma festa, nem parece que vivem no mesmo país, com Sarita absolutamente deslocada naquele meio, tanto por sua cor de pele quanto pelas roupas. 

É curioso ver que quando Sarita participa de outra festa, com outros jovens delinquentes, ela está muito mais integrada ao ambiente. A inabilidade das instituições em cuidar da vida dessas pessoas também é alvo de críticas. O único momento que Sarita vai atrás dos meios “corretos” para denunciar o sumiço de sua irmã, o policial pede que ela “reze para ela voltar” e fica por isso mesmo.

Assim, com inspiração na fantasia mas fincado no mundo real, Cadejo Blanco é um olhar compenetrado para uma juventude que se vê sem escolhas sobre sua própria vida e acabam entrando em um caminho sem volta. Sarita pode até conseguir voltar para sua vida normal, mas o custo disso terá sido alto demais.

Esse texto faz parte da cobertura do Festival Internacional de Cinema de Toronto 2021

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