Crítica – Missa da Meia Noite (Minissérie)

Em determinada sequência de Missa da Meia Noite, nova série de terror de Mike Flanagan para Netflix, vemos duas cenas ocorrendo em paralelo: de um lado, temos o Padre Paul (Hamish Linklater) realizando sua missa diária, com cânticos, hóstias e afins; enquanto isso, bem distante dali, Riley (Zach Gilford) também fazia seu ritual, talvez não tão bem visto, de participar de uma reunião de Alcoólicos Anônimos. Similar às duas cenas está um certo sentido de comunidade, de se estar em um lugar compartilhando de algo.

Comunidade é algo muito importante neste trabalho de Flanagan, especialmente as tensões que se criam dentro de uma por uma variedade de razões. A ilha Crockett, cenário da série, é o tipo de lugar onde todos se conhecem, o que evidentemente tem seus pontos positivos, mas também os negativos. Como Bev Keane (Samantha Sloyan), que usa dessa proximidade para ser consistentemente horrível com seus concidadãos, particularmente aqueles que ela julga não serem adequados a fazerem parte daquele local. Como o xerife Hassan (Rahul Kohli), o único muçulmano da ilha, predominantemente católica.

O local passa por dificuldades, visto que um derramamento de óleo afetou gravemente a principal atividade financeira da ilha, que é a pescaria, tornando a pacata ilha ainda mais estagnada. A chegada do Padre Paul, substituindo temporariamente o já idoso Monsenhor Pruitt, acaba sendo uma grande novidade, mas coisas estranhas passam a acontecer logo em seguida. Uma delas é a morte de todos os gatos da ilha, e figuras estranhas têm sido observadas à noite, o que será que está acontecendo?

Missa da Meia Noite mantém seus aspectos mais voltados para o terror bem escondidos, e gasta boa parte do seu tempo mais preocupada em estabelecer seus personagens, assim como as tensões entre eles, enquanto delineia muito sutilmente a sombra que passa a tomar conta de Crockett. Flanagan traz muitas temáticas da série A Maldição da Residência Hill, como vício, por exemplo, e outros como islamofobia, que sempre são bem costurados dentro da temática maior da comunidade, especificamente, quem decide quem faz e quem não faz parte de uma? Comunidade implica homogeneidade? entre outras.

Mas é difícil não reparar a tendência verborrágica da série para lidar com esses assuntos. Entre um episódio e outro, vi no twitter que um comentário sobre como os personagens “fazem palestras uns para os outros” e essa é uma excelente definição para o que acontece em certos momentos, que embora possuam seus momentos propícios – como Hassan discursando em uma reunião escolar – em outros Flanagan parece pesar a mão tanto no roteiro. Isso porque roteirizou todos os episódios, quanto na direção, apostando em longos takes que se fecham no rosto de seus atores. Nessas horas, parece que o diretor está mais interessado em fazer uma “declaração importante” do que construir sua narrativa, o que acaba deixando o ritmo de certos episódios um pouco irregular.

Eventualmente, o terror chega, bem mais sangrento do que os trabalhos mais recentes de Flanagan, e é difícil comentar de modo mais profundo sem estragar um pouco da série. Não que exista um grande “plot twist” em Missa da Meia Noite, mas é certamente parte da experiência ir aos poucos descobrindo sobre o que de fato está acontecendo. Mas mesmo na violência, o foco nas relações humanas não se perde, sempre enfatizado no meio da confusão.

Assim, Missa da Meia Noite reafirma Mike Flanagan como um forte nome no terror, mesmo que certas características suas remetam um pouco demais à Stephen King, mas existem inspirações muito piores de se ter do que o famoso “Rei do Terror”. 

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