Resenha – Monstros (HQ)

Monstros, um dos poucos trabalhos autorais de Barry Windsor-Smith, é a obra de uma vida. Literalmente. O autor demorou 35 anos desde a elaboração inicial das ideias e os esboços, até ter a publicação física, lançada para todos poderem apreciar. Mais do que apenas uma obra de uma vida, é também uma de intenso sofrimento. Seja por parte do autor, que lidou com dificuldades na produção ao longo dos anos, seja por parte de todos os personagens dessa história. E é justamente sobre isso que o artista e roteirista aqui quer abordar: o sofrer e as consequências de lidar com as próprias atitudes, sejam elas positivas ou negativas.

A trama fala de vários personagens, sendo todos eles em volta de Bobby Bailey. Iniciamos no ano de 1964, auge da Guerra Fria. Nesse período, ele, um jovem sem-teto, pede para se alistar no Exército dos Estados Unidos. Ele consegue, mas serve de cobaia para um estranho experimento americano, que precisava de um candidato sem nenhum passado a vista, ou seja, nenhuma família ou nenhum documento. Ele era a escolha perfeita. O problema é que o experimento faz com que Bobby se torne uma figura deformada e perseguido por todos. Desde sua infância, até os tempos atuais.

Windsor-Smith faz em Monstros uma produção em camadas. Começamos com o próprio protagonista, mas vamos indo afundo das nas suas relações próximas, sejam elas positivas ou negativas. No começo, isso está com o militar que levou Bobby para ser cobaia do experimento. Anos após o acontecido, ele se sente errado, culpado de ter feito algo horrível com apenas um jovem sem lugar para morar. Entretanto, o elo mais importante dessa narrativa é a relação familiar do personagem que, no fim das contas, só está em busca de ir para casa, encontrar algum lugar para qual ele possa se isolar. Através dessas pequenas jornadas e histórias, o autor trabalha o sofrimento de uma humanidade falida, já que, independente das intenções, todos estamos a caminho de uma tristeza inerente.

As mais de 360 páginas são de um quadrinho nilista, no mais puro sentido da palavra. O desenho totalmente claustrofóbico e agressivo, em muitos momentos, reforçam um olhar meio frio desse universo. Da mesma forma a decisão pelo preto e branco, que não colocam nenhuma camada a mais de discussão. É como se, no fim das contas, sempre estivéssemos em uma dessas tonalidades, incapazes de fugir de um mundo opressivo. E não uma opressão conjecturada do século XXI, e sim aquela que nos faz apenas existir como seres humanos. A opressão da vida e da morte.

Em certo olhar, a HQ é um grande relato filosófico sobre uma monstruosidade psicológica e intrínseca da nossa natureza. Para alguns, pode ser até olhada como conservadora, nesse sentido, como se fosse impossível modificar quem somos e quem seremos. É curiosa a forma como Barry faz isso sempre em um trabalho de reforçar dualidades e quebrá-las, em seguida. Apesar de existir claros lados “bons e ruins”, eles também são passíveis de se modificarem, de não serem os mesmos. Além disso, uma pessoa que está em um lados pode ainda fazer atitudes do outro.

Monstros é uma produção literalmente sobre a monstruosidade humana. Sobre como sempre seremos destinados a sofrer e em entender todas as atitudes que praticamos ao longo da vida. Usando outro preceito da filosofia, além de nilista, o quadrinho também é fatalista. Até porque podemos ter atitudes diferentes, porém é impossível modificar o que já fizemos, seja de bom ou de ruim. Apesar de retratar uma história que mistura ação, ficção-científica e dramas, é claro, Barry Windsor-Smith não poderia estar mais querendo pautar na realidade o seu relato feito aqui. Como dito acima, o “parto” de Monstros é, no fim, o ato de realmente sofrer junto com os personagens.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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