Resenha – Sobre Minha Filha (Kim Hye-Jin)

É curioso como as primeiras páginas de Sobre Minha Filha, grande livro da autora sul-coreana Kim Hye-jin, começamos acompanhando um simples dia de mãe e filha. Esse momento que poderia ser comum, retratar um certo cotidiano, reforça tudo que será abordado ao longo da narrativa da obra. Neste instante, a mãe, quase em um tom confessional, de diário, transpõe toda sua emoção e sensação ao abordar as distâncias e diferenças perante sua filha, Green. Somando a isso, o desejo dela viver em um tradicionalismo “respeitoso”, se casando com um homem trabalhador, tendo filhos e uma casa para viverem juntos. Só que tudo vira ao inverso no momento em que ela pede para a mãe para se mudar a antiga casa e junto de sua “amiga”, ou, melhor dizendo, namorada.

Esse tom de confissão e aceitação desse universo completamente novo é o que permeia toda a escrita de Hye-jin. A protagonista reforça sempre posições, o que pode marcar um certo compasso mais repetitivo da trama. Mas isso apenas é mais uma maneira de demonstrar que estamos falando de uma pessoa complicada, que tem clara dificuldade de desenvolver a relação familiar. Ao buscar colocar Green em algumas caixas morais pré-estabelecidas, ela não vê a possibilidade de sucesso ou felicidade na jovem além do esperado anteriormente.

Sobre Minha Filha é menos um livro que busca ser a grande transformação por parte de uma mulher, cuidadora de idosos, e insegura sobre absolutamente tudo. É mais de uma pessoa atrás de colocar os próprios fracassos como peso para a filha não repetí-los. Isso, em conjunto, com uma intensa discussão sobre a moralidade e família na sociedade sul-coreana. Fica cristaliano como a autora transforma um universo exterior quase fantasioso (as descrições de prédios e ambientes são sempre detalhadas) perante a personalidades tão difíceis, quase fracassadas, sem dinheiro.

A produção evita reforçar um olhar julgador, como alguém mais jovem, vivendo em um universo completamente diferente. A escrita busca a todo instante ser conciliadora, gentil e quase amigável aos pensamentos da mãe. Isso, por óbvio, se tratando do tom de confissão, de diário, que a narrativa está envolta. Nesse sentido, é apenas um pensamento dominante em boa parte dos acontecimentos, apenas esse lado pode se defender. Um detalhe que reforça isso é como a mãe trata a namorada de Green. Inicialmente, cheia de desdém, passando para uma agressividade e chegando a uma quase aceitação. Porém, que passa menos por um olhar julgador, e sim por uma trajetória de olhar para a filha.

O livro de Kim Hye-jin não tenta fechar portas ou criar determinações. Busca, sim, abrir elas, discutir tudo envolta das personagens, e o que essa sociedade faz com as pessoas. É um olhar que traça um paralelo de um mundo sul-coreano diferente, envelhecido, que parece não compreender como esse local está querendo se adequar ao novo, a um universo de globalidade. Como se a mãe fosse um país do passado – algo reforçado pelos problemas ao redor dela -, enquanto Green quer ser um país do futuro, do exterior, das novidades.

Por isso mesmo, Sobre Minha Filha está bem longe de ser um livro que quer apontar caminhos. Está atrás apenas de questionar e levantar um embate maior através de duas personagens antagônicas, conectadas pelo laço familiar. A autora encontra nessa história um meio de marcar um momento de um ambiente social complexo e conflituoso, e que pode passar ou ficar para sempre. Só resta observar o futuro da Coréia do Sul para compreender aonde a vida dessa família vai chegar.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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