Crítica – Pacifiction

O diretor Albert Serra é conhecido pelo uso da história, geopolítica e temas sociais para construir ironias da própria humanidade através do cinema. O cineasta, normalmente, gosta de partir de um olhar exterior, seja por outro período histórico, seja em outro país/ambiente ao que ele normalmente reconhece. Isso fica evidente nos seus últimos três longas: História da Minha Morte (em que recria o Drácula); A Morte de Luís XVI (no qual retoma a vida desse personagem histórico); e Liberté (em que se utiliza também da vida social do país para falar sobre sexualidade).

Três anos após seu último projeto, o cineasta parece ainda mais claramente conectado a esses elementos citados. Dessa forma, vai trazer um olhar fora ao que ele reconhece em Pacifiction – no caso daqui, de uma ilha paradisíaca da Polinésia Francesa. Esse espaço será pouco para um conflito dessa vez não tão social diretamente, e sim sobre controles e domínios culturais. Quem encabeça é o embaixador francês na ilha, De Roller (Benoît Magimel), que vive sob luxos e mandando em todos a sua volta. As coisas mudam um pouco de figura quando uma escritora de sucesso na França chega no local em meio a uma crise de criatividade e perspectivas para o futuro. Ela acaba percebendo, então, estar envolta de uma ameaça de novos testes nucleares na região, podendo afetar diretamente os moradores.

Novamente, Serra coloca o cinismo como ponto de destaque para o desenvolvimento da narrativa. Todo a construção da encenação brinca com um lado meio blasé dos personagens, como se fossem caricaturas de si mesmos. Talvez quem esteja mais em evidência nesse sentido é o embaixador, que conduz a trama, e vive sempre em conflitos de interesses. Em certa medida, tenta defender os moradores locais, mas sabe que também é o representante de uma nação maior, dominante desse espaço. Em outro lado, quer se aproveitar de tudo que tem por ali, desfrutar das belezas naturais e da possibilidade de riqueza que tudo dá.

Esses contrastes são fundamentais para o encaminhar de Pacifiction, visto que quer ser um filme sobre dominações culturais. A todo momento, quem tem voz nunca são aqueles ali desde sempre, porém os “estrangeiros”, quem chega justamente para poder controlar tudo a volta. É claro que há relações profundas com um universo de subjulgação de países menores por maiores, algo perpetuado desde a colonização. Entretanto, o longa fica em um meio termo de ser uma grande alegoria ou óbvio demais – talvez o que atrapalhe mais nele em sua duração de quase 3 horas.

Dessa maneira, fica bem claro como Albert Serra brinca com a própria história que criou com Baptiste Pinteaux. Ele se usa sempre do conceito de controle e poder de uma cultura sobre a outra, através da demonstração dos corpos e, essencialmente, dos ambientes. Enquanto o embaixador caminha entre a população, ele vê uma ambientação de sofrimento, e, em muitos casos, tristeza. Já em seu “habitat natural”, vai parar sempre em locais luxuosos. Os contrastes sociais, de onde eles são criados? De que forma aparecem pela primeira vez? Em certo modo, é meio difícil de responder. Contudo, Pacifiction tenta criar uma resposta: pelos controles impostos desde sempre.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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