Crítica – Enxame

Todos os inícios dos sete episódios de Enxame exibem a mesma frase: Esse não é um trabalho de ficção. Qualquer similaridade com pessoas de verdade, vivas ou mortas, ou eventos atuais, é intencional”. Parece uma grande brincadeira que os criadores Donald Glover querem colocar, mas é algo que faz todo sentido com a proposta narrativa que veremos a seguir. Através do fanatismo cada vez mais atuante nas redes sociais atualmente, eles usam a ideia para retratar a história de uma obsessão. Essa que perpassa através de Dre (Dominique Fishback), uma personagem com distúrbios, acrescidos da morte de seu único laço de proximidade, a irmã Marissa (Chloe Bailey).

É muita curiosa a forma como a produção trabalha toda sua trama, através de uma mega encenação irônica. Os episódios são sempre dirigidos de uma maneira a reforçar uma grande ironia. Seja ela nos próprios temas abordados (como no segundo capítulo, com uma personagem striper que se chama de Halsey porque é negra), ou com a forma como a obsessão será um conceito capitular entre todos os personagens (algo que aparece de maneira bem evidente no episódio 6, o grande destaque de toda a temporada). Por isso mesmo, a trama de uma serial killer é algo, apesar de estar em evidência, tão colocado em segundo plano e capitular – quase como um seriado procedural de vilão da semana.

Dessa forma, é bem claro entender como Enxame vai se utilizar de diversos conceitos narrativos para colocar sua trama a frente. Em certo sentido, é quase como se fosse uma história em quadrinhos, algo que é reforçado pelo elemento caricatual e surreal em certos instantes. Desse jeito, a cada episódio que aparece, estamos em uma nova realidade, em um ano diferente, um cenário novo e, com isso, mortes novas. O que relaciona tudo é, além da protagonista, a grande figura de sua obsessão: a cantora pop Ni’ Jah (Nirine S. Brown).

Obviamente inspirada em Beyoncé, Glover e Nabers nem tenta esconder isso, ela é objeto de fascínio e discussões por toda a parte. Dre, como fã completamente apaixonada por ela, faz parte do “enxame”, uma espécie de fã clube tóxico da internet. Apesar de dizerem que nunca fazem nada com a pessoa que fala mal da artista favorita, se juntam para atacar reputação, criticar e, até mesmo, espalhar falsidade sobre quem proferiu uma fala ruim ou xingamento. Dre, extremamente complicada psicologicamente, leva aquilo adiante, e passa a matar qualquer um que não goste de Ni’ Jah.

Só que muito mais do que apenas interessados em discutir a cultura do cancelamento e obsessão (já faladas antes), os criadores tem na produção também a intenção de trabalhar um panorama sobre as produções de true crime. Isso até aparece em pinceladas no decorrer dos capítulos, especialmente ao nada ficar extremamente claro em alguma morte, por exemplo, de forma a audiência construir a resposta na cabeça. Entretanto, essa ideia fica mais evidente no penúltimo capítulo, em que vemos uma narrativa se formar de um jeito idêntico a esse tipo de série/filme, complementando – novamente – sem respostas. Essas, são sempre o público que irá buscar trazer, independente se seja verdade ou não. Afinal, a internet não é a terra da realidade, e sim das opiniões.

Lançada pelo Prime Video, Enxame parece mais uma série atrás de construir pensamentos e perspectivas sobre o nosso tempo. Desse jeito, soa esquisita, e quer realmente aparecer dessa maneira. Donald Glover continua em sua caminhada de explorar as possibilidades de como a internet e as redes sociais parecem influenciar em um mundo cercado de apontamentos. Se já havia feito isso em Atlanta de forma perfeita, caminha no mesmo ponto aqui – dessa vez dividindo com . A obsessão de Dre parece, neste sentido, faz parte da também do autor ppor compreender nossos tempos. Que bom, já que está cada vez mais difícil.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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