Resenha – Terra Faminta (Andrew Michael Hurley)
Como construir um clima para uma história de suspense/terror? Esse talvez seja o questionamento de muitos autores, desenhistas, cineastas e mais, que buscam criar nesse elemento tenso e estranho uma razão principal para a narrativa se desenrolar. É através desse “pano de fundo” que construímos uma relação um tanto quanto sinistra para o universo que iremos acompanhar no desenrolar da trama. Bom, e se tem alguém que sabe fazer isso de forma extremamente interessante é o autor Andrew Michael Hurley. Mesmo estando apenas no terceiro livro de sua carreira, Terra Faminta consolida o elemento desse ambiente que será desenvolvido posteriormente – mas que já deixa o leitor extremamente ansioso sobre o que virá.
Esse é o fundo, aliás, para desenvolver a trajetória após o morte de Erwan, filho de Juliette e Richard. Apenas uma criança, ele acaba falecendo por causas naturais e não conhecidas por ninguém da comunidade médica. O problema é que o fardo da situação ainda recai sobre a família, especialmente da mãe, que tenta encontrar alguma forma, qualquer ela que seja, de tentar lembrar do garoto. Passa todos os dias no quarto dele, por exemplo. A situação acaba criando estranhos acontecimentos ao redor do casal, que parecem levar a pensar que algo da criança ainda estaria presente pelas redondezas. Mas o que? Nem eles mesmo conseguem decifrar.
Hurley consegue construir os elementos narrativos da história sob dois âmbitos, que são os principais de debate que o livro adentra: a fé e o concreto. Enquanto no primeiro se baseiam boa parte dos pensamentos de Juliette, que quer tentar ver formas de deixar a presença de Erwan ainda pelo ar, a causando uma intensa depressão, o segundo está mais relacionado a uma crença que aquilo tudo vai passar naturalmente por Richard. Ele que é o personagem principal da trama, já que vemos sempre através de seus olhos o que acontece. Sendo assim, é quase como a obra abraçasse esse caminho de um racionalismo da situação para enveredar os diversos elementos místicos que estão onipresentes nesse mundo.
Mas também é impossível não dizer que Terra Faminta tem três partes claramente bem resolvidas. E elas estão envolvidas, de um jeito até curioso, como a forma como o luto é concebido. Aqui eles aparecem como negação, depressão e aceitação. Porém, não aparecem de forma direta para ambos os pais, e sim são esporádicos para consolidar a forma como eles irão lidar com aquilo tudo. A maneira como isso vai acontecer está conectada com um acontecimento relevante no meio da história: uma espécie de ritual espírita. Esse elemento é fundamental para até o jeito como o escritor concebe a visão dos protagonistas, ao mesmo tempo que também observa mais esse universo – como os flashbacks que aparecem com maior frequência.
É sempre nessas brincadeiras de olhares que Hurley concebe uma narrativa tão complexa sobre perdas e aceitações. Contudo, é interessante como o elemento do terror aparece sempre de forma extremamente sutil, no entanto vai ganhando contornos graves no decorrer das páginas. Assim, ele pode ser apenas uma sensação, uma lembrança, mas acaba se materializando dentro do horror enfrentado pela morte próximo às páginas finais. Dessa forma, o autor consegue quase entrar na mente do leitor, o fazendo se duvidar sobre a realidade e mentira dos fatos, algo que nem mesmo esse olhar para o qual estamos vendo tudo (de Richard) consegue encontrar respostas.
Terra Faminta pode soar como diversos livros em um só. Ele pode ser sobre fé, sobre perda, sobre superação e até mesmo sobre reconciliação. Mas, acima de qualquer coisa, é uma produção sobre a transformação do olhar. Esse ponto é o principal para entendermos como cada um dos personagens se comporta e tenta observar tudo que está acontecendo. Os diálogos, antes carinhosos e distantes do casal, se transformam em ríspidos ou amorosos rapidamente. Porém, como isso? Sempre através do jeito que Andrew Michael Hurley afirma a visão dessas personas. Ao fim de tudo, é como se elas sempre tivessem turvas. Seja para o mundo concreto, que precisa ser visto, seja sob o terreno desconhecido.