Resenha – Trocas Macabras (Stephen King)

Se tem um tema que Stephen King sempre trabalhou é o absurdo e pessoas em situação de extremo estresse. É basicamente com esses dois elementos que o autor escreveu grande parte de seus maiores clássicos, como Carrie, O Iluminado, Sob a Redoma e mais. Isso ocorreu, do mesmo modo, com Trocas Macabras, um dos seus livros um pouco menos conhecidos, especialmente nos anos 90, e com uma adaptação menos reconhecida ainda. Lançada em 1991, a obra marca uma fase de reflexão curiosa na carreira de King, que passa a dar mais valor para narrativas longas, que pudessem desenvolver diversas questões. A partir daí surgem, À Espera de um Milagre, Saco de Ossos, Sob a Redoma e Novembro de 63. Porém, o que Trocas Macabras fez foi dar um pontapé inicial a todo esse momento.

A história acompanha a cidade, novamente, de Castle Rock. Nela, uma nova loja está sendo inaugurada no início dos anos 90. Chamada de “Artigos Indispensáveis”, o local conta com um curioso dono chamado Leland Gaunt que, para cada cliente que aparece, ele traz um item necessário diferente. Com algumas brincadeiras com os moradores do lugar, ele começa a transformar de um intenso marasmo de uma cidade do interior em um local de surtos coletivos e mortes.

É curioso como o livro não traz nada de forma extremamente clara. Rememora até bastante um sentimento de cidade do interior pré colapso composto em It: A Coisa. Contudo, aqui tudo se resume em quanto menos, melhor. Por isso, a idiea e concepção do desenvolvimento de Gaunt como vilão é bastante dúbia, visto que ele é reconhecidamente uma pessoa boa para grande parte dos moradores da cidade. Afinal, quem não quer realizar seus sonhos? Entretanto, Stephen King releva esse elemento para a narrativa em um jogo de influência. A cada produto ou objeto que um cliente leva, não é, em muitos casos, necessário dinheiro, mas realizar alguma troca a pedido do dono desse estabelecimento.

Em Trocas Macabras nunca sabemos bem para que caminho cada personagem pode ir. Enquanto alguns lidam de forma mais plena e reconhecida da influência de Leland, outros se tornam obcecados pelos itens que adquirem – em muitos casos é algo que almejam há bastante tempo. Aliás, é bem curioso a forma como King inicia o livro, dando destaque para um dos casos isolados de uma pessoa que irá fazer reconhecimento da “Artigos Indispensáveis”. O poder de sedução dos diálogos acontece não apenas no que cada um diz, mas também nas descrições feitas pelo autor. É dessa maneira que sempre entendemos que ocorre algo por detrás. Aliás, o fim de alguns capítulos que tratam esse lado vilanesco de Gaunt são interessantes para construir essa figura.

O estresse, então, deixa de ser um elementos para poucos indivíduos, mas tomam conta de uma cidade por completo. Diversos conflitos antigam tomam proporções gigantescas (como a rivalidade de vizinhas) ou também relações familiares são destruídas pela obsessão. A necessidade material dessa sociedade dos anos 90, que havia acabado de sair de um momento áureo do capitalismo, com o impulsionamento de shoppings, por exemplo. Nessa vida em que os itens e o consumo rege tudo, é impossível não ser parte intrínseca desse meio. E o autor mostra como essa realidade sai dos grandes centros urbanos e chega de forma categória em cidades pequenas.

Não há, realmente, nenhum elemento de intenção maior em Trocas Macabras. Stephen King tem claro para si como quer fazer uma história sobre seres humanos chegando ao seu limite material. Diferente de livros em que ele se diverte usando os elementos sobrenaturais, aqui esses parecem ser quase um pano de fundo. Por exemplo, ao leitor se questionar como Gaunt tem um poder tão grande de influência, essa questão na história parece ser menor. Desprovida de buscar explicações, King faz uma obra que busca quase sentir aquele conjunto social e como ele irá ruir. Em uma produção de quase 700 páginas, isso pode parecer, em muitos casos, até um pouco chato. Porém, é deliciosa a forma como vemos essa sociedade se ruir aos poucos. E isso tudo devido ao próprio instinto consumista onipresente em cada um daqueles habitantes.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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