Crítica – Bacurau

Em um dos trechos da canção “O Encontro do Lampião Com Eike Batista”, da banda El Efecto, é dito “Hay que, hay que, eike, hay que, hay que, hay que resistir”. Já em uma frase do clássico livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, é falado “O sertão está em toda parte”. Talvez a junção desses dois segmentos seja a melhor maneira de definir Bacurau, novo filme de Kleber Mendonça Filho, co-dirigido também por Juliano Dornellas. A obra retrata um lugar que sempre teve de resistir ao longo da história: o Nordeste. Aqui, essa região do Brasil é idealizada através da pequena cidade de Bacurau.

Teresa (Barbara Colen) está de volta a sua cidade natal para o enterro de sua avó de 94 anos, Carmelita (Lia de Itamaracá). Após essa situação, o território começa a sofrer alguns estranhos acontecimentos, especialmente pelas diversas e diferentes mortes que assolam o lugar. Pacote (Thomas Aquino), um dos protetores locais, contará com a ajuda do foragido Lunga (Silvero Pereira) para proteger a cidade.

Os caixões no início, sendo estourados pelo caminhão passando, já trazem uma perspectiva futura. A morte é um fato consumado, que ronda Bacurau há anos, sempre sendo ignorados pela sociedade ao redor. O prefeito Tony Jr. (Thardelly Lima), demonstra bem isso quando vai para a cidade apenas jogar livros destruídos e distribuir remédios fora da validade. Totalmente ignorado pelos habitantes, sua busca acaba sendo sempre uma prostituta local. Domingas (Sônia Braga) o diz que se ela voltar machucada, ele estará morto. Não tem medo algum de dizer frente, de lutar contra um sistema na qual sempre foi contra a vida dessas pessoas. A partir desse quesito, Juliano e Kleber adentram mais afundo sobre a realidade brasileira.

Apesar de, a priori, Teresa parecer ser tratada como protagonista, a trama envereda para buscar um DNA da cidade em si. Todas as suas estruturas são apresentadas mais claramente quando a própria chega a cidade, quando o professor vai mostrar o mapa feito ainda sob desenhos e quando vemos o seu museu. Bacurau transborda a resistência de populações deixadas sempre de lado por parte do poder público, possivelmente naquele universo (o longa se passa alguns anos no futuro) e no nosso. Prostitutas, transexuais, negros, mulheres, pobres, pessoas mais velhas, professores, militantes. Todos possuem um lugar especial guardado em torno de Bacurau, pelas marcas históricas de luta do ambiente – a cena na qual é pedido para deixar uma mancha de sangue na parede representa bem isso. A encenação retrata bem mais sobre a essência de todos ali, lutando ante uma ameaça complexa, mas já enfrentada diversas vezes por esses grupos: a morte.

Nesse quesito, a narrativa parece buscar um infinito ciclo de gêneros e situações. Existe um lado resguardado para uma certa diversão nos acontecimentos, como uma produção de aventura. Todavia, os diretores acabam adentrando mais em uma exploração direta desse microuniverso, algo típico dos faroestes como Meu Ódio Será Tua Herança, Três Homens em Conflito e até de filmes de samurai, como Yojimbo. Quando a obra assume um lado mais fantástico e até deveras catártico em seu terror, rememora um cinema político de gênero trazido especialmente por John Carpenter. Tudo isso é elevado pelo DNA nacional da produção cinematográfica daqui, algo como feito por Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Ao brincar com seus próprios clichês, Bacurau assume um papel de importante discussão social sobre resistência. É um longa baseado quase inteiramente nessa questão, em uma luta perante a tudo por toda a vida. Se os museus são atacados na atualidade e a história também, aqui são lembrados como instrumentos primordiais de conhecimento próprio. Sem passado, é impossível escrever o futuro, afinal. Por isso, a cidade busca o tempo inteiro olhar para si mesma e se unir sempre. Enquanto os estrangeiros brigam entre eles para gerar um assassinato em massa (inclusive autodenominando-se nazistas), um pequeno vilarejo resiste a isso tudo. O sangue, ao fim, não representa um lado de redenção por parte das pessoas – algo, inclusive, muito bem salientado pelo semblante dos atores. O que foi derramado representa apenas mais uma das diversas lutas do nosso povo, do nosso sangue derramado. Agora, é a vez deles.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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