Cara Gente Branca – Vol. 3: Terceiro ano se perde em novo ritmo

Cara Gente Branca já chegou na Netflix com um desafio: superar todo o hype negativo que foi criado quando a série foi anunciada. Mesmo com um tom claro de sátira social e humor ácido, a produção teve uma péssima recepção do público, que a acusou de “racismo reverso” e cujo trailer teve um grande índice de dislikes, com alguns grupos em redes sociais inclusive sugerindo boicotar a própria rede de streaming. No entanto, é inegável que as duas primeiras temporadas não pecam em qualidade: foram aclamadas pela crítica especializada, entregando um roteiro inteligente, personagens bem escritos e carismáticos. Além disso, uma direção excelente de Justin Simien, criador e escritor da série que também foi responsável pelo filme homônimo que a inspirou.

Com mais de um ano de atraso em relação aos anteriores, a terceira temporada (ou Volume 3) chegou à plataforma na sexta-feira, 3 de agosto. O segundo ano terminou com um gancho curioso, na qual desafiava os padrões narrativos apresentados até aquele momento e propunha uma história que fugia da autenticidade que tanto fazia DWP se destacar. Ainda assim, era interessante e bem construído na temporada o suficiente para deixar o público ansioso sobre o desenrolar da trama.

Samantha e Lionel se decepcionam ao descobrir que a Ordem X, a sociedade secreta para universitários negros, não era tão grandiosa quanto pensavam. Sem nenhuma disposição para enfrentar os testes necessários para entrar na Ordem, os dois desistem da ideia e seguem com suas vidas. O tempo avança e nossos protagonistas se encontram novamente com diferentes conflitos. Sam está com dificuldades para encontrar sua voz criativa após desistir de seu programa de rádio, enquanto ainda lida com a morte de seu pai. Embora esteja finalmente seguro com sua sexualidade, Lionel se perde em experiências sexuais do mundo gay enquanto ainda busca um amor monogâmico. Já Joelle e Richie se veem num empasse quando veem que manter um relacionamento não é baseado somente em química e paixão, enquanto Coco segue em sua luta pela aprovação dos colegas e professores brancos e Troy percebe que não tem tanto poder quanto pensava na revista Pastiche. Além disso, um novo e respeitado acadêmico afeta a dinâmica do grupo, com um grande escândalo pronto para explodir a Universidade Winchester em frangalhos.

Embora não tenha deixado de entregar uma boa temporada, é visível a queda do Volume 3 em relação aos antecessores. Há grandes diferenças entre os dois primeiros e este último que podem ser responsáveis por essa recepção. A primeira delas é o formato: enquanto a obra foi estabelecida através do desenvolvimento individual de um personagem por episódio, com o encontro de todas as histórias ao final, o terceiro ano quebra essa fórmula. Não há foco específico, com todos os protagonistas dividindo seu espaço igualmente. Em alguns episódios, como aquele em que a mãe da Coco (em uma participação impagável de Yvette Nicole Brown) visita o campus, isso funciona exatamente porque umas histórias recebem mais atenção do que outras. Já aquele sobre as tribulações de Gabe (John Patrick Amedori) como um jovem que acabou de descobrir que é baixa renda acaba não rendendo momentos tão inspirados ou engraçados.

Além disso, esse novo formato dificulta a trama mais importante da temporada. Enquanto cada um lidava com seus dilemas pessoais, uma história maior e mais complexa se desenvolvia por trás, entrelaçada com a vida de todos os protagonistas. Fica claro que talvez tenham optado por isso para dar espaço a outros personagens, como D’unte (Griffin Michaels) e a inconveniente jornalista Brooke (Courtney Sauls). Não é, de maneira alguma, um equívoco trazer esses personagens para o centro da história. Afinal, são figuras interessantes e que acrescentam de maneira positiva à história. No entanto, parece que há uma indecisão por parte dos criadores sobre o tamanho do espaço que deveria ser dado a eles, criando uma inevitável sensação de “quase lá”.

É este o grande problema da temporada. Ao longo dos dez episódios, a série fala brevemente sobre temas como o luto, diversidade sexual, o cotidiano soropositivo, assédio sexual em grandes instituições, censura criativa, machismo em espaços de trabalho… Mas nada é de fato desenvolvido. Tudo é muito breve. Quando a temporada termina e o propósito da Ordem X finalmente faz sentido, já é tarde demais. Um assunto que poderia render toda uma temporada se transforma em tópico de diálogo entre três personagens por dez minutos de um episódio de meia hora.

Ainda assim, o humor típico da série não decepciona. As já clássicas sátiras a outros programas televisivos, como Queer Eye The Handmaid’s Tale, são certeiras e cômicas. Poderia se tornar um elemento gratuito e repetitivo, mas é encaixado de maneira inteligente pelo roteiro. O diálogo também continua afiado, entregue com maestria por um elenco carismático e talentoso, ainda que alguns personagens, como o Lionel, de DeRon Horton, pareçam totalmente perdidos.

Por fim, Cara Gente Branca: Volume 3 acaba sendo um leve desapontamento, não por ser ruim, mas por não atingir o nível de qualidade antes entregue pela produção. Continua, no entanto, uma série riquíssima em cinematografia, roteiro, discussões raciais e sociais e uma incrível (e importante) galeria de personagens capazes de conquistar qualquer espectador.

 

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