Crítica – Rio Doce

A vida de Tiago (Okado do Canal) não está indo muito bem. Suas costas doem constantemente, o impedindo de trabalhar, e, consequentemente, o dinheiro que tanto precisa para consertar sua moto e pagar a luz do seu lar, que está cortada. Para tentar aliviar um pouco a situação financeira, pediu dinheiro com agiotas, que agora estão na sua cola, e sua relação com a filha de quatro anos também está complicada, mais por culpa dele do que por ela.

O passado surge para ocupar ainda mais a cabeça do protagonista, quando uma mulher informa que eles são meio-irmãos. O pai de Tiago tinha outra família, da qual ele nunca teve conhecimento, família essa que não compartilha da mesma realidade que a dele. A diferença de classe é evidente na melhor cena de Rio Doce, quando o protagonista vai conhecer a família, ele se conecta muito mais com a babá deles, mãe de um de seus colegas de escola, com a montagem dando um ar muito dinâmico a conversa dos dois, excluindo as outras pessoas, dando espaço somente para o rosto levemente transtornado de uma das suas meia irmãs, que não enxerga Tiago com bons olhos.

Essa tensão de classe dentro do núcleo (quase) familiar, no entanto, não é explorada muito além disso, assim como quase todos os outros elementos de Rio Doce, longa de estreia do diretor Fellipe Fernandes. Existe um aspecto temático aqui que o aproxima muito do longa Mirador, que também está sendo exibido no Olhar de Cinema deste ano, já que ambos contam com personagens homens, trabalhadores precarizados, que precisam lidar com questões de paternidade.

Mas se no longa de Bruno Costa isso era muito bem costurado na narrativa, em Rio Doce isso nunca ganha uma força dramática de fato, mas sim só mais um elemento, perdido no meio de tantos outros ao longo da narrativa. O tal agiota mencionado no início do filme nunca mais é citado novamente, nem aparece em qualquer momento da trama, nem mesmo a filha de Tiago fatora muito no desenrolar da história, o que é particularmente estranho em um longa tão interessado na ideia de paternidade e em como o protagonista pode romper com o ciclo de abandono que lhe deu origem.

Há também certo aspecto semi-documental no longa, quando, em algumas cenas, vemos imagens reais do protagonista inseridas de forma um tanto quanto randômica, mas, novamente, isso não leva a muita coisa, como se o diretor quisesse ancorar ainda mais a história em certo realismo, algo que permeia toda sua encenação, com atuações naturalistas e afins. Só que nunca deixa uma marca de fato.

Assim, Rio Doce é morno, nunca tirando força do potencial dramático dos elementos que coloca em cena. A sequência com a babá mostra que Fellipe tem muita noção das dinâmicas em jogo na trama, mas parece satisfeito em lidar com elas de modo meio distanciado, se apoiando na bela e colorida fotografia, sem lhes dar substância,

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Olhar de Cinema 2021

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