The Good Place e a revolução das sitcoms
Entre as diversas maravilhas proporcionadas ao grande público pela televisão, uma das categorias mais populares – e bem-sucedidas – é a sitcom.
Em sua definição, a sitcom é uma comédia de situação, com humor baseado em “personagens comuns” em ambientes comuns, como família, colégio, faculdade, local de trabalho, a rotina de um grupo de amigos e derivados. Seu formato técnico também é bem regular: cenários fixos, câmera única ou câmera tripla que é geralmente quando há uma plateia ao vivo, e as famosas risadas de fundo.
Desde os anos 50, há diversos nomes marcantes que representam o gênero: I Love Lucy, que seguia a vida de uma típica dona de casa americana nos anos 50, interpretada pela comediante Lucille Ball, A Feiticeira, sobre a vida doméstica de uma feiticeira que conciliava seus deveres como esposa e dona de casa com seus poderes mágicos, até nomes mais contemporâneos, como Seinfeld, Friends e How I Met Your Mother (todas sobre a vida cotidiana de um grupo de amigos). Um fator em comum une todas essas produções é como elas refletem a época em que foram feitas. Seja a representação do sonho americano ou a confusão da vida adulta, são retratos da geração que está em frente à televisão, assistindo, de certa maneira, a si mesma.
É uma fórmula que, devido ao número de vezes que deu certo, poucas vezes não é usada. É aí que entra The Good Place.
Criada por Michael Schur, que trabalhou em outras comédias de sucesso como The Office, Brooklyn Nine-Nine e Parks and Recreation, a série acompanha a morte de Eleanor Shellstrop (Kristen Bell), que após bater as botas em um acidente vergonhoso, é recebida pelo sorridente Michael (Ted Danson) ao Bom Lugar. O Bom Lugar é nada menos que o paraíso, para onde vão todas as pessoas de boa índole que viveram sua vida “da maneira correta”, ajudando os outros, sendo gentis etc. Ou seja: o paraíso. No entanto, não demora para que Eleanor perceba que ela está no lugar errado… Ela não foi uma boa pessoa enquanto estava viva e sabe disso. E o pior: alguém mais sabe. Com a ajuda de sua suposta alma gêmea, o professor de filosofia Chidi, Eleanor resolve mudar sua perspectiva e se tornar uma boa pessoa antes que descubram seu segredo e ela seja mandada para O Lugar Ruim.
A partir desta premissa, conhecemos também os outros habitantes do Bom Lugar, sempre excêntricos e inesperados, em sua vida antes e depois da morte. Temos a filantropa Tahani Al-Jamil, o monge budista Jianyu e a robô Janet, assistente de Michael, que é o gerente do Bom Lugar. Todos tem seu momento ao sol, e o espectador é apresentado, aos poucos, ao grupo nada comum que esses personagens formam, as vidas que eles levavam antes de morrer, e a vida (trocadilho intencional) que tentam viver agora.
Durante seu primeiro ano, a produção já conquista o espectador com um elemento pouco usado por seriados semelhantes: o cliffhanger. O roteiro, apesar de manter uma estrutura durante os primeiros episódios, mantém uma linha narrativa que, apesar dos absurdos que traz devido à comédia, se mantém coerente, construindo assim não só uma galeria de protagonistas e coadjuvantes carismáticos e divertidos, mas uma mitologia complexa e bem arquitetada. Ao final da primeira temporada, no entanto, o público é confrontado com uma conclusão que provavelmente sitcom nenhuma fez antes.
Sendo assim, a dúvida de como funcionaria o segundo ano da série era inquestionável. E novamente, o roteiro foge do padrão estabelecido não só do gênero da comédia, mas do padrão que a própria série estabeleceu na temporada anterior. Os rumos que a trama propõe são novamente desconstruídos e construídos novamente em tela, apresentando a cada episódio um novo formato narrativo e um novo ritmo. Há tempo para desenvolver novamente o mundo apresentado ao público e seus personagens, fortalecendo a empatia entre nós e as figuras cada vez mais doidas de The Good Place.
Vale destacar também as participações especiais de outros nomes conhecidos desse nicho da comédia americana, em momentos hilários, como Adam Scott, Jason Mantzoukas e a mais recente (e pessoalmente, a que mais se encaixou no seriado e poderia facilmente se tornar uma personagem fixa) Maya Rudolph.
The Good Place apresenta, em uma época de sequências, reboots e ideias recicladas, uma proposta original, inventiva e engraçada, recheada de momentos hilários e personagens amáveis. Em um meio cuja fórmula de sucesso parece ser a repetição, o seriado se renova constantemente, trazendo ao meio televisivo uma revolução mais do que necessária.
Aliás, novos episódios estarão disponíveis na Netflix toda sexta-feira a partir de hoje, 28 de setembro!