Crítica – Era Uma Vez um Sonho
O título Era Uma Vez um Sonho captura muito bem o sentido do título original, Hillbily Elegy. Isso porque o elegy se refere a um poema de tom triste, melancólico, e na abertura do filme, esse sentimento é bem capturado. Enquanto o protagonista, na sua fase adulta (Gabriel Basso) narra com nostalgia como se sentia em casa nas florestas do Kentucky, sua versão adolescente (Owen Asztalos), passeia de bicicleta, vendo os outros “hillbilys” interagindo realizando suas atividades, enquanto uma música suave toca ao fundo.
É nesses primeiros momentos que o diretor Ron Howard consegue melhor expressar as ideias da trama, logo conhecemos a mãe de Vance, Bev (Amy Adams) e a sua avó, Bonnie (Glenn Close), que se tratam de modo um tanto cáustico, mas claramente é uma relação baseada em afeto. Bev, por exemplo, xinga o filho quando vê que ele levou uma surra de outros jovens, porém logo fala que irá “matar” quem fez isso, enquanto cuida dos machucados de Vance. A família está de mudança para uma cidade maior, em Ohio, onde passará por uma série de provações, enquanto, no presente, o protagonista, já adulto e tentando uma carreira na área de Direito, recebe uma ligação informando que sua mãe está internada por overdose. Ele volta para sua terra para tentar lidar com a situação.
Essa divisão entre passado e presente é um dos primeiros problemas na estrutura de Era Uma Vez um Sonho, já que ele ambiciona construir um retrato complexo dessa família tão difícil, mas os pedaços nunca coalescem, especialmente nas seções do passado – que se passa em 1997. As cenas do passado apostam em cenas de “grande emoção”, como a morte do avô da família, no entanto elas são dispostas de modo tão fragmentado que soam mais como esquetes de pessoas sendo horríveis umas com as outras, com Bev e Bonnie frequentemente berrando umas com as outras, ou com Vance.
Se a ideia é mostrar uma família complicada, mas que ultimamente se ama e ajudou Vance a chegar onde chegou, ela passou bem longe de estar em cena aqui. Se na primeira cena isso até funcionava, conforme a narrativa progride, mais e mais a família representada se torna detestável, e os momentos de carinho e afeto tão efêmeros que nem chegam a deixar marca. Em uma sequência, por exemplo, Bev ameaça matar o cachorro de Vance, para logo em seguida deixá-lo de castigo, e na cena seguinte ameaçar causar um acidente de trânsito devido a uma discussão com o filho. Mesmo com a “justificativa” de uso de drogas, a personagem soa simplesmente psicopática. As cenas com Bonnie se saem um pouco melhor nessa expressão de “amor rígido”, já que acabam, pelo menos, envolvendo uma espécie de lição para Vance.
No fim, Era Uma Vez um Sonho não sabe que estilo de história de superação quer ser, se é de um jovem que apesar da família conseguiu conquistar seu próprio espaço, ou por causa da família que ele conseguiu isso. A sequência final, no estilo daqueles comerciais de superação – só falta um “e eu sou a universal” ao final -, quer nos fazer convencer que é essa última, enquanto quase tudo aponta para a primeira.