Crítica – Mirador
Pais solo são uma raridade no cinema, enquanto a ideia de paternidade não. Muitos filmes discutem o que envolve e o que é de fato ser pai, por meio das mais diversas óticas, seja na animação, como em Procurando Nemo, no drama, como Ladrão de Bicicletas, e em filmes de terror, além do sobrenatural, muitas vezes o protagonista precisa reconquistar o amor de seu filho e entender o que significa ser pai, como no recente Invasão Zumbi. Nesse sentido, Mirador é, ao seu modo, uma novidade por ter uma visão bem naturalista sobre o assunto, sem glorificações ou dramas típicos do gênero.
Com direção de Bruno Costa, o longa tem como protagonista Maycon (Edison Silva) um boxeador que mora só na sua pequena casa em Curitiba. De noite, ele trabalha como lavador de pratos em um restaurante e assim segue sua solitária vida. Só um elemento altera sua rotina, que é sua filha, Malu (Maria Luiza da Costa), fruto de uma relação casual, que ele visita de vez em quando. Isso muda quando a mãe da criança simplesmente desaparece, deixando um bilhete para Maycon, que não explica muita coisa. Assim, Malu passa a fazer parte da sua vida de forma integral, e sua rotina terá que mudar para acomodá-la.
Bruno Costa estabelece muito bem a rotina eficaz que Maycon tem na sua vida sozinho. A montagem é célere, sem espaço para “gorduras”, e se modula muito bem a cada situação específica da vida desse homem. A cena de boxe, por exemplo, não estaria fora de lugar em um Creed da vida, enquanto as de cotidiano são comuns, sem muitos floreios técnicos. A encenação muda de modo sutil quando a criança entra em cena. Os cortes eficazes agora somem um pouco, a porta que se fechava de modo rápido acompanhado o corte, agora é tudo um pouco mais “frouxo”, enquanto a pequena Malu se desloca pelo cenário com seu jeito infantil graciosamente desengonçado.
Assim, boa parte da narrativa é marcada pelos ajustes que Maycon deve fazer a sua rotina, as cenas de boxe perdem sua intensidade, já que no fundo do plano, lá está Malu, assim como, pelo menos é o que imagino, ela está sempre no fundo dos pensamentos do protagonista. O horário do almoço, que era uma mera burocracia do dia a dia, agora envolve a negociação típica de alimentar uma criança. Nada disso é glorificado, no entanto, Maycon nunca é “o paizão” que larga tudo pela filha, são constantes os momentos que a menina está ao seu lado e ele simplesmente está absorto no celular.
O que não significa que ele não tenha que fazer sacrifícios, como vender sua moto ou aceitar um trabalho menos que desejável para poder sustentar a nova realidade. Há momentos que Mirador flerta com certos clichês de filmes com famílias não convencionais, como a possibilidade de ter a criança levada pelo Estado devido a uma denuncia anônima de maus tratos, mas isso ganha uma resolução rápida.
Apesar de ser um tanto rápido demais para abordar tudo que propõe – como a questão da burocracia que impede Maycon de colocar a filha em uma creche -, Mirador consegue costurar de modo eficaz as diversas dificuldades e alegrias da vida de um pai solo. Sem romantização ou miserabilismo, se apoiando na graça do cotidiano.
Esse texto faz parte da nossa cobertura da 24ª Mostra Tiradentes.