Resenha – A Casa (HQ)
Talvez um dos fatos mais tristes da morte são as marcas deixadas pela pessoa falecida. Sejam elas boas ou ruins, essas acabam sendo inevitáveis de não ser confrontadas em qualquer momento. Por exemplo, lidar com o que fazer com os itens de determinada pessoa ou algo que essa gostava muito. Porém, de todas essas questões, talvez a mais marcante e difícil de lidar sejam os imóveis. E isso, em especial, também a casas. Relembrar momentos, chorar, e reviver aquele espaço em outras situações são reações naturais sob uma alma daquele local que se foi. Paco Roca tenta traduzir um pouco dessas situações de sua vida em A Casa, lançado no Brasil pela editora Devir.
Acompanhamos a história de três irmãos tendo que lidar com a casa de férias de seu pai, que morreu a pouco tempo. A ideia deles é fazer uma pequena reforma, já que o lugar dava alguns indícios de abandono. O pai que morou no lugar em todo fim da vida, bem distante dos filhos. Aliás, a residência acumula memórias positivas, mas também uma complicada relação familiar ao longo dos anos finais. O problema é que, ao chegarem no local, essas memórias positivas começam a aflorar e vender começa a se tornar uma opção mais distante. Os filhos deles, agora crescidos, poderiam viver as mesmas boas memórias.
Roca não cria em A Casa uma história interessada nas diversas dimensões possíveis ou até em qualquer elemento mais complexo. Sua narrativa é, bem claramente, uma busca pela memória, pela lembrança desse espaço. Desse jeito, ao construir os quadros lidos como um álbum de família, ele já demonstra uma construção de afetividade que a HQ terá. Esse elemento é central, já que a trama mais vai se focar, ao longo das pouco mais de 100 páginas, no elemento da lembrança. Desse jeito, os flashbacks com os espaços são frequentes, a fim de dar uma verdadeira dimensão sobre o que é esse lugar para os três irmãos.
O quadrinho funciona claramente em uma narrativa cíclica. Seu início, com apenas um deles chegando até a casa e lidando com as complicações finais da família, é já uma espécie de compreensão do que virá pela frente. Contudo, a cada nova aparição de um personagem e sua relação com esse ambiente, o autor começa a desenvolver uma questão especial interessante. É como se todos quissessem ter uma necessidade de abraçar a casa, de trazer aquelas lembranças ao presente. Paco Roca dá claramente uma ideia, até bastante irônica dos tempos atuais, de que “o passado é melhor”. Nesse caso, a felicidade dessas lembranças são mais fortes que qualquer coisa possível e até qualquer rusga nos relacionamentos.
Nesse lado bastante sensorial, a história vive uma espécie de afeto esquecido. Desse jeito, é curioso como, em algumas lembranças com o pai, há uma certa rispidez nos diálogos. Porém, também ocorre uma necessidade desse contato e desse jeito de ser. Todo esse lado é bem forte na figura do vizinho, que parecia acompanhar os passos finais. É nele que se concentra o início desse conflito da memória positiva sobre aquele local. Anteriormente, parece que é quase um fardo deixado dentro da casa, como se nada ali verdadeiramente prestasse. Todavia, há necessidade de rememorar, da lembrança de um passado quase esquecido pelo presente que consome tudo.
A lembrança e a memória dos locais é o que A Casa ser uma HQ tão marcante. Ao realmente não se interessar tanto em apoiar sua narrativa em um maior desenvolvimento, se faz necessário apenas tratar os acontecimentos de um ponto de vista mais pessoal. Paco Roca tenta trazer um elemento de contato com o leitor, que provavelmente já vivenciou alguma situação semelhante. Porém, em um trabalho quase autobiográfico, é curioso como o elemento central não esteja tanto relacionado à figura do pai, mas especialmente ao que esse entorno causa nas lembranças. Independente do que o atual momento pode ter trazido – inclusive com muitas dores – a tentativa da felicidade esquecida também se mostra cada vez mais necessária.