Resenha – Loira Suicida (Darcey Steinke)
Quando lançado originalmente em 1992, Loira Suicida era um livro que ecoava de forma bem forte o seu tempo. Na San Francisco e em boa parte do underground dos Estados Unidos na década de 80 e 90 vivia uma forma de observar um mundo diferente. Desse jeito, existia todo um processo social, que fazia com que existisse uma correlação forte entre a prostituição e o mundo dos LGBTs no período – ambos de viver sempre no sofrimento. Em busca de quase traçar um perfil dessa realidade, e especialmente da localidade na Califórnia, Darcey Steinke traz a trajetória de uma mulher que vive de todo o possível nesse mundo.
Filha de um ministro da Igreja Luterana, Jesse é exatamente tudo que seu pai não queria que fosse. Uma verdadeira “garota problema”, já que sempre esteve envolvida em situações e meios considerados complexos e que poderiam gerar confusões. No caso, geram desde o ponto de partida dessa história da obra, que é a relação dela com Bell, um homem na qual ela se relaciona, mas que parece não ter uma sexualidade bem definida com ele mesmo. A protagonista acredita que ele é gay, e o mesmo também tem um afeto muito forte perante a jovem. Essa confusão mental que já orienta parte da sua trajetória, acaba sendo a catapulta para que a mulher entre de cabeça cada vez mais nesse universo complexo.
Steinke faz uma narrativa que ecoa uma ideia de liberdade, mas também uma preocupação da vivência de Jesse. E isso vai acontecer especialmente por conta da trama se passar sempre sobre seu olhar e seu depoimento pessoal, como em um diário. Dessa forma, há um enviesamento do desenrolar dos acontecimentos, já que eles podem ser, ou não, como ela está contando. Todavia, o mais relevante para o livro é realmente deixar claro como essa vida também possui um lado libertador, de vivenciar tudo que não conseguiria, porém cheio de questões que vêm junto e condição financeira ruim.
Loira Suicida é um projeto que vai ter realmente um interesse em analisar por completo essa sociedade do período. De certa forma, é até possível traçar um paralelo dos capítulos iniciais aqui com os de A Menina dos Olhos de Ouro, de Honoré de Balzac, que retratam, quase como se de um ponto de vista sociológico, suas sociedades como pano de fundo. Esse contexto acaba sendo fundamental para levantar as problemáticas que acontecerão na vida dessas protagonistas. Entretanto, aqui se diferencia o fato de que Jesse é uma espécie de mulher desprendida da própria forma de viver. Nem ela com ela mesma entende essa realidade e consegue elucidar mais complexamente o que seria viver nesse contexto.
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É curioso como o livro trabalha em uma frente concreta, de deixar tudo extremamente claro que acontece nessas vielas da cidade – toda as descrições sobre sexo e prostituição acabam sendo bem diretas, nesse sentido. Ao mesmo tempo, a obra também tateia um lado mais onírico, de percepções sobre o que a personagem entende de positivo a ser tirado dessas problemáticas. Ela, enquanto mulher, se vê aprisionada, mas também colocada como figura relevante para todo e qualquer homem que apareça pela frente. Desse jeito, uma noite de sexo com um desconhecido pode se tornar tanto revigorante, quanto frustrante, à Jesse.
Dentro de tudo isso, Darcey Steinke cria um texto quase em forma de crônica. Íntimo e também confuso, como as ideias e pensamentos da protagonista, Loira Suicida consegue trabalhar bem na forma de pensar um meio social e, do mesmo modo, alientar uma maneira de observar o mundo de uma ótica mais complexa para uma mulher que quer ser livre naquele momento da sociedade americana. Na tentativa de querer se desgarrar de toda e qualquer possibilidade de amarra social, Jesse vê desde a felicidade até a maior tristeza passar diante dos seus olhos. Esse pensamento a faz sempre ser alguém quase irremediável, incapaz de encontrar a felicidade. Mesmo assim, ela consegue extrair isso dos menores detalhes.