Suspiria e o movimento do horror

Talvez uma das ideias mais fundamentais do cinema é que ele é movimento. E não se diz isso apenas em um sentido mais narrativo (até porque outras artes também apresentam isso), mas sim pela forma como a sétima arte se conduz: através da montagem. É ela que produz toda a noção e característica rítmica, podendo ser diferenciada dependendo da percepção e objetivo de cada diretor/diretora. Existem filmes e filmes, cada um com sua perspectiva para poder exercer isso e mostrar uma história sendo contada.

Luca Guadagnino observa a dança como uma das perspectivas de movimento mais fortes em Suspiria. Ela que se movimenta sempre de forma leva, perpassando mais sensações do que propriamente uma temática. Dessa forma, a relação dos movimentos dessa fórmula da dança são intrínsecos a qualquer gênero e poderiam ser pensadas assim. Guadagnino então fundamenta seu Suspiria – A Dança do Medo na construção do terror pelo próprio movimento, seja dançante, seja pela montagem, seja pelo corte, seja pelos personagens. Tudo aqui é necessário para a fundamentação do horror e da criação de uma atmosfera/mitologias que sempre buscam o medo. Afinal, por que a dança também não pode ser bruta? Por que os movimentos dela não podem representar relações bem mais profundas?

A história é toda baseada em uma companhia de dança na Alemanha, onde a bailarina Susie (Dakota Johnson) chega para ocupar uma vaga aberta no dia anterior após o desaparecimento de Patricia (Chloë Grace Moretz). Ali, ela acaba sendo peça chave para a formação de uma apresentação especial de uma dança composta pela diretora artística Madame Blanc (Tilda Swinton). Nesse mesmo tempo, o doutor Klemperer (Tilda Swinton), após observar os estranhos comportamentos de uma de suas pacientes, começa a tentar investigar o possível envolvimento de bruxas na formação do lugar.

Existe uma relação bem direta com o terror proposta aqui. Diferente da obra original de 1977, onde se existia no universo uma fundamentação quase de conto de fadas com a atmosfera aterrorizante aparecendo aos poucos, nessa versão de 2018 tudo está mais na cara. A encenação de Luca sempre se relaciona ao ambiente, com uma construção dessa mitologia sendo feita sempre de forma bastante concreta. Não há receio em realmente advertir sobre o trabalho dessas bruxas – algo feito já na sequência de abertura. Assim como também não existe receio algum em expôr esse horror através cenas que misturas um horror quase ritualístico e gore. Talvez o maior exemplo sobre essa questão esteja em torno do momento em que Susie realiza a dança e outra personagem tem seu corpo quebrado pelos movimentos. Novamente, a maneira de idealizar todos esses pontos são propostos pela montagem cadenciada de Walter Fasano. Inclusive, não há uma necessidade do acompanhamento da música da dança nessa cena, a própria relação do corte e dos ossos se quebrando da personagem, estabelecem todo o ritmo presente.

Como foi dito anteriormente, existe uma dualidade de gêneros bastante presente no longa. O ritualístico acontece nos mais diversos instantes, sempre sendo pautado por algumas conversas entre as próprias diretoras do colégio (a cena em que as dançarinas aparecem para tomar café intercalada com essas fazendo votação para escolher a bruxa líder concretiza bem essa ideia sobre um eterno ritual) ou até mesmo em um estilo bastante grandiloquente da dança Vultz. Diversos momentos dessa aura bizarra rememoram bastante obras como O Homem de Palha, O Bebê de Rosemary e As Bodas de Satã. O gore, diferente dessas citadas anteriormente, aparece de formato sempre intrínseco à atmosfera, quase como uma consequência.

Existe uma certa tentativa de elucidar um limite entre a loucura e a lucidez completa para com os personagens. Nesse quesito, o cineasta remonta bastante do expressionismo alemão – movimento quase pioneiro para o terror – ao brincar com a relação da montagem paralela para formalização da tensão. Existe em boa parte do segundo ato planos remontando apenas a face de cada uma das peças da história, todas altamente introspectivas e ao mesmo tempo externalizando esse medo ao redor. Aliás, uma sequência que denota ainda mais toda essa relação estilística com um cinema bem clássico é a de Sara (Mia Goth) em um túnel, já próximo ao terceiro ato.

Para enaltecer ainda mais toda essa confecção temática de loucura e lucidez, existe um grande destaque para a figura de um psicólogo dentro do roteiro. Sua persona se pauta em um fundamento em busca de algo realmente verdadeiro, a ponto de necessitar ser exposto a tudo no clímax. Sua vida pessoal, inclusive, chega a virar uma relação formal dentro dos acontecimentos da trama, mesmo sempre soando um tanto quanto perdido.

Ainda existe uma tentativa de criar uma alegoria política em cima da obra. Seja logo na primeira cena (em que uma manifestação é ouvida) ou na relação da personagem Patricia com uma relação política ao período. O perpassado aqui parece se relacionar em toda a um poder feminino na trama, sempre se tornando superiores às figuras masculinas. Além do mais, a encenação busca uma conturbação do período até para propriamente  enaltecer mais toda a conturbação em cima da escola de dança. O muro entre a Alemanha Oriental e Ocidental concebe essa divisão social, não apenas entre gêneros, mas também a alegoria do medo.

Em Suspiria – A Dança do Medo, o diretor Luca Guadagnino parece não ter medo algum de expor todo o horror de maneira bastante direta ao seu público. É um filme muito mais preocupado na relação que todo esse movimento possui com o gênero, a ponto de isso soar na perfeita relação entre forma e conteúdo. A direção resguarda toda sua mitologia a dança, algo fundamental a trama. A atmosfera, toda essa construção do medo, o pavor diário no ambiente. Para Guadagnino tudo isso faz parte do movimento desse ambiente. Um movimento de medo a cada mexida.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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