A Esposa é um triste e real retrato do mundo
Nos primeiros momentos de A Esposa, vemos um casal em quase perfeita sintonia. Enquanto o marido parece querer continuar hábitos desagradáveis, além de estar tenso com alguma situação, sua mulher o critica e pede mais calma e tranquilidade. Quando os dois são acordados pelo telefone, Joe Castleman (Jonathan Pryce) se vê totalmente eufórico com sua nomeação ao Nobel de Literatura. Porém, Joan Castleman (Glenn Close), sua esposa, parece quase incrédula. É a partir dessa questão chave do casal que o cineasta Bjorn Runge desenvolve uma história triste, mas totalmente verdadeira, sobre o apagamento feminino.
Runge trabalha de forma bem clara toda essa relação de enaltecimento da figura de Joan, que acontece no decorrer da trama. O cineasta faz uso sempre de uma câmera quase estática quando ela está presente, além de manter a personagem sempre ao meio dos planos, trazendo uma sensação certeira de imponência. Glenn Close ainda potencializa tudo isso com uma performance altamente comedida, trazendo uma relação mais afetuosa quando o marido acaba sendo mais grosso, além de buscar sempre um carinho frequente com seus filhos, principalmente no escrito do personagem David (Max Irons). É intrigante como, em algumas cenas de destaque para Joe, o diretor quase traz um olhar “por cima do ombro”, ao tentar perceber onde ela está e qual sua relação e recepção aos acontecidos.
Todo esse lado quase observatório traz sempre uma questão de apagamento perante seu marido. Como na cena do discurso ao receber o prêmio, que Bjorn pouco busca uma contemplação veemente dos presentes ao homem. Ao invés disso, ele prefere – como dito acima – achar a mulher, psicologicamente acabada com todos os acontecimentos. O roteiro, inclusive, é totalmente perspicaz ao impor esse elemento revelador da linha narrativa, colocado inicialmente como dúvida em uma simples conversa, porém fazendo sentido. E, aos poucos, se mostrando revelador de uma natureza que é cruel com as mulheres em todos lados. Seja como esposa, na qual precisa servir como aporte emocional, seja como artista, que precisa relegar todos os seus talentos ao esposo.
Essa questão do machismo estrutural ainda é melhor trabalhada devido a dois pontos principais: os flashbacks e na interação entre Joe e a fotógrafa Linnea (Karin Franz Korlof). No primeiro, funciona como um pontapé inicial a relação do casal do filme. Os dois, apesar de parecem ser totalmente colaborativos, são também fruto de uma traição. Todavia, toda essa exploração do passado acaba por ser até um pouco enfadonho, enchendo a trama com mais um elemento de forma gráfica, aonde já se mostrada perceptível. Já no segundo, está no fato de impulsionar esse instinto quase animalesco do homem, em não saber como gerar uma continuidade dos relacionamentos. Esse quesito, especificamente, ainda é intensificado no grande clímax da obra, onde toda essa associação entre Joe e Joan é posta a prova.
Ainda é necessário destacar todo o papel do personagem Nathaniel Bone (Christian Slater), uma analogia mais clara e direta sobre todo o mundo das celebridades e essa exclusão do lado feminino. Para conseguir informações sobre o homem, ele busca o tempo todo figuras ao redor, principalmente de forma até agressiva com a mulher. Ele, em busca de fazer uma biografia sobre a vida do premiado, cria diversos conflitos até bem resolvidos pela narrativa, mas que colocam diversas coisas anteriormente mostradas em cheque, num papel quase de “carrasco” para todo o acontecido.
A Esposa se torna um filme muito mais importante pela necessidade de discussão de sua temática e pelas brilhantes atuações, do que por uma narrativa realmente diferenciada. O diretor Bjorn busca seguir um tratamento quase formalístico e expositivo, bem próprio de cinebiografias (ainda que este não seja o caso), trazendo uma carga dramática necessária a sua trama. É uma potente história, que dificilmente será esquecida tão fácil pelo público, além de fomentar um debate mais do que pungente nos dias de hoje.