A Favorita é um filme sobre épocas, sendo um filme de época
É deveras impressionante toda a ascensão meteórica de carreira do diretor grego Yórgos Lánthimos. Desde seu sucesso no meio independente com Dente Canino, em 2009, ele entrou no mercado americano com força através de O Lagosta, de 2015, indicado ao Oscar de melhor roteiro original. Passado esse estopim, Lánthimos chega agora com um trabalho de época, estrelado por um trio peso, com uma força enorme para a temporada de premiações, depois de ser bem falado por festivais mundo afora. A Favorita conta a história de como a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) e a jovem Abigail (Emma Stone) tentam exercer influência sobre a cabeça da debilitada Rainha da Inglaterra Ana (Olivia Colman), no século XVIII. Enquanto a primeira já tinha um relacionamento próximo à Rainha, a segunda vem para disputar esse posto. Mas, afinal, quem realmente será a favorita?
Muito mais do que sua história, há um certo deslumbramento narrativo pelo espaço cênico presente. O cineasta e o diretor de fotografia Robbie Ryan, se utilizam de planos sempre abertos, para gerar uma dimensão geográfica dos lugares do castelo. O uso de câmeras grande angulares traz um tratamento bem atmosférico e imersivo para a audiência, na qual consegue adentrar de vez a trama apenas por essas utilizações técnicas. Um exemplo bem crasso dessas situações é na cena em que Abigail aparece pela primeira vez, se criando um paralelo de realidades bem aberto sobre a situação dos servos e dos nobres – algo relacionável ao passado da personagem como socialmente abastada.
Toda essa realização remete bastante ao trabalho de Stanley Kubrick, principalmente sua busca por uma simetria e composição de planos. É possível remeter claramente a longas como Barry Lyndon e Glória Feita de Sangue. Ainda é possível lembrar do trabalho de Yoshishige Yoshida, também se utilizando desses gigantescos espaços cênicos para quase “menosprezar” as situações centrais da tela.
Toda essa questão mais estética busca gerar um desbunde visual para a época do período histórico. Por isso, Lánthimos não tem medo em mostrar sequências de danças de forma mais prolongada, em dar atenção para pequenos detalhes repetitivos – como a cena do discurso no Parlamento -, além de gerar quase uma relação de grandeza que essas pessoas possuíam. Ele, aliás, gera comédia em cima disso tudo, com momentos falando sobre como poderia ser ruim utilizar os cabelos falsos por homens, os instantes de treino de tiro em pássaros, brincando como aquilo era socialmente aceitável. É trabalhada uma gigantesca crítica aos ricos em si, por toda essa necessidade de veneração. Ainda há espaço para outras maneiras de gerar comicidade, inclusive algumas próximas ao humor negro (exemplificado pela sequência envolvendo a primeira noite no quarto de Abigail). Todavia, isso acaba sendo muito mais um próprio pano de fundo para a exploração da obra de outras circunstâncias.
Tematicamente, é possível abrir margem a discussão de diversas pequenas coisas ao longo da película. A busca pelo poder talvez seja o mais forte de todos eles. Todo o jogo de manipulação presente as personagens de Rachel Weisz e Emma Stone se torna um fator fundamental para criar uma expectativa perante a audiência. O jogo pelo controle de ações possui diferentes motivadores, porém ele se torna sempre relevante para o avançar da narrativa. Diferente de uma trama de suspense convencional, aqui estamos sempre equiparados ao plano de cada uma delas, tentando pensar diversas ações que poderiam ser realizadas com o objetivo de prejudicar cada uma. Aliás, dentro disso tudo, a performance de Olivia Colman, se mostrando sempre confusa aos conselhos de cada uma e modificando seus atos dia após dia.
Essa “guerra” pelo controle também é intensificada através de Harley (Nicholas Hoult) e Masham (Joe Alwyn), peças fundamentais na disputa pela vitória no jogo de tabuleiro. Para gerar ainda mais esse conflito, o roteiro coloca uma trama sobre a criação de uma nova carga de impostos ou não relacionável a guerra perante a França. Esse embrolho específico ainda se torna relevante ao longo do enredo, principalmente no grande clímax com a Duquesa, entretanto acaba sendo quase sempre deixado de lado para que o trio apareça com maior destaque. Aliás, essa parte acaba se tornando ainda intrigante nas últimas cenas, na qual não fica tão claro sobre uma certa boa índole/má índole, deixando ao público para refletir sobre o apresentado.
A Favorita se destaca em meio a outros filmes de época, buscando uma excessiva valorização de seu espaço para contar a sua própria história. Apesar de possuir um roteiro um tanto quanto perdido em suas ideias, consegue se achar de maneira envolvente na sua linha principal, formada por três grandes atuações. Ainda que seja odiado por alguns, Yórgos Lánthimos prova mais uma vez ser um dos grandes diretores da atual geração, conseguindo trazer uma abordagem diversificada, dentro de um gênero quase padrão no cinema.