A memória como fardo em High Life
Há um certo clima de horror inerente em High Life. Logo na primeira cena, em uma conversa de Monte (Robert Pattinson) com sua filha, a câmera de Claire Denis parece gerar uma expectativa. A relação entre os ambientes, a perda de uma ferramenta, os computadores apitando. Tudo nessa relação espacial gera uma correlação meio tensa, nervosa de um universo destroçado. A vista do mesmo personagem a outras pessoas mortas dão ainda mais uma certeza de um medo. Mas o que e qual seria esse medo afinal? Bom, o terror provocado aqui é relacionado a nossa memória, ao passado de forma a gerar um fardo para os personagens.
No presente, o filme acompanha a história de Monte no espaço, mas também lembrando os acontecimentos que o levaram até ali. Sua ida para o espaço se deve a um programa do governo de levar criminosos para fora da Terra, com objetivo de realizarem uma missão. No comando de todos, Dibs (Juliette Binoche) passa o tempo tentando entender e perceber os instintos selvagens de cada um.
Denis, como dito acima, gosta de explorar todo esse ambiente na encenação. Aliás, é perceptível como a diretora se importa bem menos com a relação de ficção-científica na trama (elemento que vai se tornando bem mais um pano de fundo) e eleva ao extremo toda a fisicalidade presente. Existe, em um certo grau, até uma correlação com Bom Trabalho, de 1999. Esse horror toma conta de cada relação, cada conversa presente. Existe até um grande nível de estresse pelo lugar causado aos personagens – salientado pelos big closes em mãos, testas, olhos -, passado ao público. Tudo parece estar a um ponto de explodir nesse passado, algo salientado ainda mais por um presente complexo.
O lado da fisicalidade está mais presente na maneira de agir de cada um dos personagens. A cena de Dibs dentro de uma espécie de sala deixa isso mais aberto. A relação do mistério parece ter um caráter mais físico. Chandra (Lars Eidinger) é o responsável pelo momentos mais claro disso tudo, quando realiza uma tentativa de estupro. Se, por esse caminho, todas essas figuras parecem mais ativas na realização de algo totalmente corpóreo, algo totalmente reverso ocorre com Boyse (Mia Goth). Ela apenas sofre os atos fundamentais para potencializar esse caminho da narrativa. Sua situação mais fatídica joga isso ao extremo, colocando sua persona uma das poucas a aceitar o fato de estar no espaço.
Como é deixado claro aqui, esse passado faz algo mais constante durante quase todo o longa. Entretanto, ao alcançar o futuro, o peso dessas escolhas e decisões deixam o personagem principal um pouco refém do tempo. Claire Denis foca, inclusive, em um lado mais observativo de Pattinson, ao parecer se questionar do que realmente aconteceu e de seu papel nisso tudo. Existe também um laço de falar sobre paternidade – especialmente em uma sequência sobre menstruação. Todavia, tais fatos acabam sendo mais passáveis adiante por causa de um conceito maior desse tempo sendo um fardo. Os relances anteriores acabam se potencializado no presente.
A tentativa de um debate mais aprofundado filosoficamente traz a história um elemento meio confuso. Quando se deixar tudo acontecer quase em preceitos aleatórios (algo muito presente no segundo ato) ocorre uma maior funcionalidade e naturalidade narrativa. Todavia, principalmente próximo ao fim, há uma tentativa de rememorar Solaris, de 1972, ao trazer quase uma eventualidade da morte e da loucura. É um caminho quase genérico, acontecido de maneira meio despretensiosa.
Em High Life, a diretora Claire Denis tenta explorar bastante sobre toda essa memória onipresente na vida humana. Por isso, para ela, a fisicalidade e essa força do ambiente chega no limite da opressão e libertação. A fotografia de Yorick Le Saux reforça esse preceito ao explodir as cores. Denis olha para nós, humanos, e percebe nossa conexão com pequenas situações. Mas, ao limite, o que elas se tornam? Ao lado de um estresse o que elas são? Bom, a memória e o passado apresentado aqui mostram um caminho macabro dessa resposta.