A Pé Ele Não Vai Longe é uma simples, mas bem feita, biografia
Biografias que exploram questões traumáticas de seus personagens de estudo são uma constante desde muito tempo no cinema. E uma das doenças que mais faz parte de obras dentro desse estilo é a paralisia, muitas vezes por parte do corpo (ou seja, motora) e não necessariamente cerebral. O falecido cartunista John Callahan (interpretado aqui por Joaquin Phoenix) foi um desses nomes da história marcado pela sua deficiência, mas que o despertou para algo dentro de seu próprio ser: a arte de desenhar e fazer comédia. E é isso que A Pé Ele Não Vai Longe conta sobre esse homem. Desde sua problemática situação condicional, devido a uma batida de carro, até a busca por entender a si mesmo e superar seus erros passados.
O diretor Gus Van Sant (Gênio Indomável) consegue pegar uma história real – mesmo que não tão conhecida – e buscar elementos cômicos e dramáticos nesse contexto. A comédia aqui não é hilária, porém provoca diversos risos de canto de boca ao protagonista entender sua situação, tentando sempre levar ao bom humor, fato demonstrado pelo próprio no seu trabalho artístico. No campo do drama, o cineasta não chega a ir para o melodramático (um clichê frequente nesse tipo de narrativa) e tenta realizar um impressionante estudo de personagem, buscando os anseios e bizarrices mais fascinantes dessa figura. Para além disso, existe uma disposição na própria condição física desse homem, mostrando sempre suas dificuldades na vida comum, que é apresentado de maneira sólida em uma montagem logo após esse sofrer o acidente.
Sant ainda consegue intrigar mais o público ao deixar a trama ser contada mais pelas cenas de diálogo do que propriamente por demonstrações visuais. Ele realiza um trabalho de câmera bem simplista, sempre com planos abertos para exibir a relação de Callahan com o ambiente a sua volta e as pessoas que o cercam, sempre tendo objetivos em comum. Quando ocorre uma aproximação do rosto de algum desses, é sempre para explanar bem as feridas emocionais contidas em todos, sendo essas com algum problema físico, mental ou até psicológico. Aliás, essa explanação é toda corroborada pelas sessões de terapia em conjunto que ele passa, lideradas pelo esquisito Donnie (Jonah Hill).
Se a intenção se baseia em focar nesse desenvolvimento do roteiro, o maior problema é escancarado nesse mesmo ponto: a superficialidade dos personagens. É óbvio que por se tratar de uma cinebiografia o foco das atenções se desse na figura explorada, contudo existe um mar de preocupações e indivíduos a volta de John na qual parecem ser apenas passageiros, mesmo quando existe um laço mais sólido. Afora o citado acima, dois destaques nesse quesito são Annu (Rooney Mara) e Dexter (Jack Black). Enquanto a primeira representa uma quebra romântica anterior e uma tentativa de buscar laços sexuais e amorosos na atual condição (algo feito de maneira bastante convincente com as cenas de sexo), o segundo é o grande causador desse “mal” afunilado em cima do cartunista. Essas duas figuras são centrais no entendimento desse arco narrativo, todavia são sempre utilizados quando convém, nunca tendo personalidades próprias e nem parecendo ter relações verdadeiras perante a Callahan.
Essa associação da arte dentro da história acontece de uma maneira bastante sutil e bem desenvolvida. O protagonista tem essa questão engraçada dentro de si e parece possuir um desejo profundo, desde os momentos iniciais, de expressá-lo. O grande problema enfrentado é: qual a melhor maneira de realizar isso? Em um primeiro instante é apresentado um desenho feito pelo mesmo, já apresentando aos telespectadores algo artístico inerente ali dentro, que acaba por ser apresentado aos poucos e de uma forma bastante gradual. Inclusive, as reações diversamente negativas e positivas as suas tiras também perpassam na tela, mas com um grau de artificialidade bem forte, quase endeusando essa figura trabalhada e levando a uma ideia de grande celebridade, fato que ele não o era.
A Pé Ele Não Vai Longe aborda algumas temáticas realmente interessantes e mostra uma visão mais cômica – lembrando, em partes, de Intocáveis, longa de 2011 – sem perder o senso de realidade presente nessa problemática. Passando desde um lado mais rabugento até sexy, o objetivo parece não ser tanto endeusar, porém apreciar a controversa figura.
Em tempos na qual a arte parece ser sempre uma forma acima da própria condição da vida humana, esse filme demonstra que uma conexão dos seres com essa maneira de ver o mundo é algo praticamente inerente dos humanos. Gus Van Sant é fino ao explorar esses aspectos, apresentando sempre a visão de que nunca estamos sozinhos nesse mundo. E tanto não estamos, que precisamos mostrar para que estamos aqui.