Coluna do Pedro | A volta iluminada de Lorde com Solar Power

É impossível eu escrever qualquer coisa aqui tentando ser imparcial. Sou extremamente fã da Lorde desde que a Lorde era apenas um embrião no útero da Maria colocado pelo Anjo Gabriel. Eu sou um ano mais novo que ela, então toda vez que solta um álbum, eu sinto cada palavra do que ela está falando, pois estou vivendo um momento parecido. Tem sido assim desde o Pure Heroine e acho difícil mudar uma relação construída desde os meus 15 anos. Por isso, não vai ser aqui que será redigido um texto negativo em relação a Solar Power – em contradição a tudo que vem sendo dito sobre o álbum.

Depois de um longo hiato, com 4 anos sem material inédito, sendo o mais longo desde a sua estreia, a artista anunciou Solar Power, tanto álbum quanto o single e, consequentemente, faria o que todo mundo esperava, mas temia: suceder o Melodrama. Entregar qualquer coisa, por mais impecável que seja, depois de um trabalho extremamente aclamado pela crítica, favorito do público e com dois hits mundiais, seria complicado demais. E, assim, ela desencanou de tentar passar minimamente perto do que foi seu último disco. Não procurou evoluir esse som/estética, não quis remeter e o máximo que rolou foram letras que relembravam um passado. Pelo contrário.

Lorde chega com o single como uma onda apagando qualquer pegada na areia, mas sem qualquer tsunami, com carinho e calma. Ela aparece de amarelo, falando sobre não pegar no celular e não se preocupar com mais nada além de aproveitar tudo que o sol e a natureza tem para oferecer. Ela deixa claro que não é mais a mesma menina que ia para festas se recuperar de um coração partido, mas sim a mulher que sabe quem é, já passou por muitas coisas e sabe aproveitar a vida.

Um bom começo para o que vinha por aí. Muito mais cru do que qualquer coisa que ela já tenha feito antes, mas não com menos letras que cortam fundo pra qualquer pessoa da idade dela, marca registrada da cantora. “Stoned At The Nail Salon”, mesmo com um instrumental fora do usual para ela, traz Lorde reflexiva sobre o que ela está perdendo e sobre o que já passou, mas, claro, para isso ela está chapada. É conseguir captar bem a essência de quem está nos seus vinte poucos anos e precisa entender o que passou e formar o que vai ser.

Na verdade, esse é um sentimento que leva a maioria das músicas. A cantora está entendendo o que se passou na sua vida. Avisa para todos os que esperam algo dela que não é nenhuma salvadora (não consegui digerir isso ainda), reflete sobre todo o tempo que passou em Hollywood, como isso a afetou e como ela quer estar longe disso tudo – ela não quer o amor californiano. Mas não apenas de reflexões internas vive Lorde ou o jovem adulto: sabemos que vivemos num mundo injusto pra caralho e é surreal a situação politica e socioambiental que vivemos. Seguindo os passos de Marina, ela discorre sobre a destruição do meio ambiente e sobre governos autoritários em “Fallen Fruit” e “Leader Of A New Regime”. E, com isso tudo, ainda consegue tempo de debochar de meninas good vibes de Instagram no melhor single do álbum e, possivelmente, um dos melhores da carreira: “Mood Ring”; sem esquecer de debochar também dos esquerdomachos que encontra pelo caminho em “Dominos”.

Mas o verdadeiro tesouro desse álbum não está nas faixar liberadas na versão distribuídas nos streamings. Existe a versão exclusiva de quem fez a compra consciente socialmente da Music Box (uma espécie de encarte de CD com vários brindes, mas sem CD) e tem acesso a duas músicas: “Helen of Troy” e “Hold No Gruge”. Tendo o pop do começo dos anos 2000 como uma das principais referências desse CD, nessas extras é onde ficam mais óbvias essas inspirações. Músicas delicinhas demais e é uma pena que não possamos ouvir diariamente no Spotify. Vale a pena demais conferir e espero que ela cante na turnê.

Um ponto que não pode passar é a produção de Jack Antanoff. Sendo altamente criticado pelos fãs de musica e por critica especializada, alguns podem dizer que o trabalho de Lorde ficou apagado por uma produção muito marcante ou por ficar parecido com o de outras cantoras parceiras do produtor, como Lana Del Rey. Mas o que acontece aqui é, mesmo que, sim, Jack tenha uma marca na forma que produz, sendo facilmente reconhecida como uma de suas produções, Solar Power é um disco da artista. O direcionamento é certeiro e onde ela foi é onde queria chegar, então é quase ofensivo culpar um produtor por ter ajudado uma artista a fazer um trabalho que ela estava afim de fazer. Mesmo com sua identidade, ainda são musicas da Lorde, fruto dessas parceria sim, mas com ela totalmente de acordo.

Solar Power é um álbum consciente de si, que não tenta atingir mais do que pode e quer atingir, é consistente em sua temática e coerente musicalmente. Claramente é um trabalho pensado do começo ao fim e trabalhado bem. Longe de poder ser comparado a trabalhos anteriores, aqui nos conhecemos uma Lorde mais madura e com mais historias para contar, mas ainda sabemos que é a Lorde. Sinto por quem não consiga aproveitar por ficar preso na quebra de expectativa. Mais do que um álbum, para mim é como encontrar uma velha amiga num bar e ouvir tudo o que ela passou durante o tempo que estivemos afastados, conhecendo sua evolução e onde ela está com a vida. É, no final, um abraço de quem te compreende.

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