Amor e racismo em Se a Rua Beale Falasse

Depois de ter feito sucesso internacionalmente com seu segundo filme, Moonlight, o diretor Barry Jenkins ganhou o status de uma promessa para a nova geração do cinema independente americano. Sendo assim, ao lançar Se a Rua Beale Falasse, baseado em um livro de James Baldwin, ele volta para as mesmas temáticas, explorando a ideia de ser negro em território estadunidense. Porém, dessa vez, sai a ideia de um estudo de personagem e entra mais em um quesito social e individual, próximo ao Medicine for Melancholy, seu primeiro trabalho.

O longa é narrado por Tish (KiKi Layne), uma menina nova que se vê grávida de seu namorado, atualmente preso, Fonny (Stephan James). Sendo assim, ela vive uma vida dupla, conciliando as tentativas de soltar seu namorado com as tentativas de fazer sua desejada gravidez dar certo.

Jenkins possui um olhar extremamente apurado para o lado poético em diversas situações cotidianas. Mesmo podendo explorar um pouco do relacionamento entre os dois, o cineasta prefere realizar movimentos de câmera sempre a averiguar os olhares, ora tímidos, ora mais sensuais, entre os dois. Com isso em mente, a direção nunca teme em usar planos longos e planos sequências, sempre fazendo questão de mostrar, gerando uma ambientação presente em cada cena, ainda que seja de maneira mais contemplativa.

Isso tudo é corroborado pela fotografia de James Laxton, que usa sempre o ambiente atrás dos personagens e as cores presentes para gerar as sensações de cada um ali. Exemplos bem claros disso são os diálogos na prisão entre o casal – sempre feitos através do efeito kuleshov* -, na qual o fundo, inicialmente mais claro e até feliz, vai tomando tons cada vez mais azuis e frios. Além disso, os tons de cor na roupa sempre muito próximos entre os dois, como na sequência inicial, denota uma relação muito intrínseca, uma verdadeira paixão.

Laxton ainda sabe utilizar de maneira plena os espaços negativos na fotografia, causando uma crescente tensão sexual entre os dois. A relação amorosa cresce aos poucos, sempre propostas na narração da protagonista e chegando ao grande clímax, literalmente, na cena de sexo. A composição da linguagem desse amor já é mostrada em uma cena anterior, quando se faz questão de dar ênfase ao vermelho de um guarda-chuva. É importante destacar que Tish e Fonny se conhecem desde a infância, algo relembrado constantemente pelo roteiro em forma de gerar uma certa ‘desculpa’ por nem sempre os diálogos serem necessários entre a dupla. Porém, isso é tão lembrado que tornam-se enfadonhas às menções ao histórico do casal.

Em um momento da película, há uma relação crescente de tensão entre as duas famílias. Na cena em que a família de Fonny descobre sobre a gravidez, ocorre uma construção dramática bem crível, podendo gerar maiores detalhes e aflição para a história. Contudo, Jenkins prefere deixar isso de lado, construindo esse estresse mais a partir da questão racial do que pelo lado familiar. Essa cena, inclusive, torna-se um momento importante para o desenrolar da relação entre ambos os pais, porém sempre deixadas de maneira superficial pelo roteiro (feito também pelo diretor).

A temática do racismo é observada como fato principal para a prisão de Fonny, já que não há provas contundentes do estupro ante uma porto-riquenha. Aliás, Barry consegue trabalhar com extrema sutileza em um diálogo dessa mulher com Sharon Rivers (Regina King), mãe de Tish. Ao mesmo tempo que Rivers quer o depoimento revelando a inocência de seu genro, ela entende a violência sofrida pela mulher, sem haver nenhum julgamento por parte da figura materna, assim como da direção. Entretanto, novamente, essa sugestão de um debate mais aprofundado no tema é jogada para escanteio.

O racismo vai ganhando cada vez mais destaque conforme a trama avança. Inicialmente, ele se mostra mais pela prisão ilegal, mas vai assumindo papéis mais “comuns” para a população negra, como as batidas policiais ou a dificuldade em arrumar alguma casa, ou até mesmo pelo trabalho de Trish, em uma loja de perfurmes, falando sobre o tratamento de homens negros e brancos. Essa crescente se sobrepõe à própria narrativa em um dos momentos finais, um elemento que, por pouco, não transforma Beale Street em um filme-protesto. A montagem, nesse instante, coloca imagens reais de diversas batidas policiais contra negros, relatando ainda mais claramente todo esse viés racista da sociedade, que dificulta até mesmo uma simples escolha de casa.

Se a Rua Beale Falasse é o trabalho mais fraco da carreira do jovem diretor Barry Jenkins. Mesmo sendo consciente na retratação de uma história de amor afrocentrada, a obra perde o foco em diversas situações, parecendo não saber tão bem aonde quer chegar com o grande teor dramático presente. Jenkins realiza, mais uma vez, um bom filme, mesmo não sendo o suficiente para a brilhar como a luz do luar.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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