Aquaman é uma divertida e intensa mistura de gêneros em um filme de herói

Os instantes iniciais de Aquaman definem claramente a origem do personagem.

Filho de um faroleiro humano com a rainha de Atlantis, Arthur Curry (Jason Momoa) nasceu em um berço confuso e instável. Essa é uma questão que se estende durante toda sua vida, trazendo-o até o momento em que a história do longa começa: quando Curry precisa salvar a cidade aquática e impedir que a Terra seja invadida por seu meio-irmão Orm (Patrick Wilson). É nesse trajeto que o herói precisa entender seu espaço no mundo, recuperar o legado de sua mãe e provar para todos que é mais que capaz de cumprir seu destino: ser o rei dos mares.

Inicialmente, após a anúncia de que tinha sido escolhido para comandar a obra, James Wan não parecia a opção ideal. Sua experiência dentro do terror poderia ser considerada extremamente positiva ou até mesmo esquisita aos olhos da trama em questão. Entretanto, o acerto na sua escolha se dá ao fato de Wan saber totalmente como controlar a narrativa do filme. Desde o início – utilizando o relacionamento entre os pais de Curry -, o cineasta deixa claro qual será o tom usados durante os próximos 143 minutos: comédia romântica, ação estilizada, construção de um universo e e até mesmo elementos de horror (esses dois últimos demonstrados pela citação ao escritor Júlio Verne e o foco no livro Horror de Dunwich, de H.P. Lovecraft).

De forma cuidadosa, Wan trabalha para que os acontecimentos do longa sirvam para a construção do protagonista, seja no conflito perante ao vilão ou através de seus “aliados”. Acima de tudo isso, a elaboração de um universo complexo vai em cima do rico design visual das localidades, buscando uma estética de extremos entre o azul e o vermelho e utilizando-se muito do neon – ponto esse que até a trilha sonora utiliza com os sintetizadores. O diretor se vangloria tanto dessa transição da terra para o mar que frequentemente utiliza sua câmera para fazer essas passagens de região, delimitando cada uma. É quase como um reapropriamento dos elementos construídos para  troca de universos feitos em Tron – Uma Odisseia Eletrônica, de 1982. Aliás, as sequências embaixo da água demonstram essa habilidade para entender o funcionamento dessa outra região, buscando os pequenos detalhes, como a cena em que Curry e Mera (Amber Heard) chegam a Atlantis, ao mesmo tempo de não soar explícito, já que o personagem não possui familiaridade com esse espaço.

O filme se desenrola em uma proposta extrema de objetivos, quase como uma ideia de gamificação. Os desafios sempre aparecem de forma inesperada e servem para serem derrotados pelos heróis. A direção dá um papel tão grande para isso ao gerar uma estilização dentro das sequências de ação, com o uso de planos-sequência no começo ou da montagem paralela na fuga pela cidade italiana ou até momentos de câmera lenta, rememorando o cineasta John Woo. A partir disso, gera-se um dinamismo e geração de expectativa deveras impressionante, elementos que James Wan já está acostumado a abordar dentro do cinema de gênero. Nunca se perde tempo, apesar dessa repetição das sequências acarretar em um certo cansaço do público devido à repetição excessiva.

A transição entre gêneros se transforma em um dos momentos mais curiosos da obra. Apesar de ser feito de forma abrupta pela montagem de Kirk M. Morri, ela acontece em boa parte do segundo ato, um componente fundamental para que a trama atinja seu clímax. Em primeiro instante, passa-se de uma ação para aventura, com as diversas fugas e travessias de Arthur e Mera para achar o tridente do Rei Atlante, deixado em uma região desconhecida. Na sequência, Wan assume de vez a transformação para uma comédia romântica entre os dois – que se concretiza de vez no início do terceiro ato -, com uma certa breguice nos elementos trabalhados na narrativa, como a rosa, o livro infantil e a música mais singela, amorosa. Por fim, o diretor não esquece da sua origem no horror, fazendo uma sequência tensa e visualmente rica na mise-en-scène, com a perseguição de diversos monstros para a dupla, em momento próximo ao fim.

Tematicamente, ainda há espaço para uma discussão, ainda que rasa, sobre a poluição das águas e a caça de animais. Esse ponto é destrinchado como a grande motivação do vilão Orm, culpabilizando os humanos sob esses aspectos, dizendo “não haver mais jeito”. O roteiro ainda tenta também colocar alguns elementos de um racismo presente na população atlantis, principalmente devido ao fato do protagonista não ser branco – Orm o chama o tempo todo de “moreno”. Todavia, é intrigante como os diálogos conseguem transpor esse pensamento de uma “inferioridade racial” para trazer a força do personagem título nesse quesito.

Aquaman representa, sem sombra de dúvidas, uma reformulação dentro do universo cinematográfico da DC. James Wan coloca fora a construção de deuses desse mundo para trazer um lado mais fantasioso, na qual geram um filme extremamente diferenciado dentro do cinema de heróis. Apesar de algumas incongruências, como a presença inútil de Arráia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), e sua cansativa duração, o longa consegue se transformar em uma experiência sensorial, se tornando uma divertida – e inesperada – salada de gêneros.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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