As sintonias da vida de Christian Malheiros
“Eu enxergo meu trabalho mais como de um comunicador, né?”. Com essas palavras, Christian Malheiros demonstra uma maturidade meio única para um ator da sua idade. Não à toa, sua vasta e meteórica ascensão acaba sendo atestada pelo seu vasto talento. Os 19 anos de idade – fase na vida na qual muitos ainda parecem confusos sobre suas personalidades e atitudes – parecem não encaixar tanto com um dos astros da nova série da Netflix, Sintonia, na qual estreia dia 9 de agosto.
Contudo, nem sempre tudo foi assim. Atuar não foi o destino logo de cara para sua carreira. Aliás, é mais possível dizer que houve um encontro, ou, como o mesmo diz “amor à primeira vista”.
“Todo mundo fala ‘ah, queria ser artista desde criança’, mas eu nunca tive isso. Nunca tive vou ser artista e tals (sic).”, conta Malheiros em entrevista exclusiva para o Senta Aí. “Na época do ensino fundamental, com 9 anos, eles abriram curso de dança de rua e teatro na escola. Pensei logo ‘vou fazer’, mas teria que ser escondido da minha mãe, achando que ela iria brigar [risadas]. Mas, desde então, não parei mais. De estar envolvido com o palco, com as artes no geral”.
Christian, no entanto, via como uma sequência lógica ir para o caminho de estudo. Se diversos atores, inclusive consagrados de Hollywood, acabaram entrando na área em uma forma denominada ‘autoditada’, ele quis seguir pelo lado das artes cênicas. Dessa forma, aos 15 anos de idade, entrou de maneira antecipada na Escola de Artes Cênicas, em Santos.
A entrada ocorreu devido a mesmo uma persistência por parte do ator. Devido a uma restrição de idade mínima com 16 anos, ele tentou de tudo para realizar os testes. Com isso, 3 semanas após ter sido chamado, estava na lista de aprovados.
O seu início atuando foi no teatro. Inclusive, sua maior ambição era seguir a carreira realmente no teatro, não ir para o cinema ou o mundo das séries. Para o paulista, todavia, não existe uma distinção com o tipo de atuação. Seja em qual formato for, a pessoa necessita estar preparada. Porém, as raízes, segundo ele, estariam inteiramente relacionadas ao teatro.
“Essa experiência para mim [de atuar em variados formatos] me serviu para mostrar o quanto a minha profissão é versátil e o quanto eu também não posso ficar renegando papéis”, comenta. “Eu acho que, apesar disso, todo ator tem que passar pelo teatro, pra (sic) ter as raízes do teatro. Eu acho que isso ajuda a ter repertório e experiência para jogar”.
Nesse lado das possibilidades, seu primeiro projeto no cinema – e único, por enquanto – surgiu. Christian estava trabalhando como estagiário no Tribunal de São Paulo. Além disso, ainda dava aulas para crianças.
Certo dia, no instituto aonde trabalhava, estavam recrutando crianças para realizar testes. Ele acabou fazendo “para não sair como o chato da história”. Após realizar diversos testes de elenco, sua decisão já estava como a desistência. Logo pensou que, na próxima ligação feita pela produção, iria avisar sua falta de recursos e desistência. Contudo, a próxima ligação chegou com uma notícia: ele recebeu a proposta para atuar no filme Sócrates. Após muita hesitação, Malheiros aceitou o papel.
Seu personagem é o protagonista do longa, Sócrates, um garoto de 15 anos, homossexual, na qual perde a mãe. É sobre toda a trajetória desse personagem, perdido em seus pensamentos. Como o próprio intérprete diz “existe muito mais uma desconstrução do que uma construção de personagem”.
“Eu acho que a gente vai pegando muitas coisas durante a vida que são máscaras e quando a gente está falando de arte é sempre quando essas máscaras caem. E uma coisa que o Alex [Alexandre Moratto] sempre falava para mim era ‘menos, Christian, menos’. Era uma performance muito íntima.”, revela o ator.
Afora seu sucesso internacional, a produção ainda não tem nenhuma data de estreia em terras nacionais. Aliás, passou apenas em alguns festivais aqui e já tendo estreado fora de terras tupiniquins. Essas divergências em relação ao lançamento, preocupam ainda Chritian.
“Quem está fora do Brasil, em países com situações melhores, adoram ver uma certa desgraça que está acontecendo aqui. É um filme que fala da nossa realidade, mas talvez não tenha um respaldo para ser mostrado para quem realmente deve ver. As pessoas que estão nessa situação, se reconhecendo, talvez não tenham a oportunidade de se ver”, diz. “Me preocupa muito porque é um filme que precisa ser visto, precisa ser mostrado. Não só esse, mas vários, que estão sendo feitos na dificuldade, na raça. O futuro do cinema brasileiro, do mundo do meu coração, me preocupa muito.”
Essa questão em torno da visibilidade internacional, levou o jovem paulistano ao estrelato mundial. No final de 2018, sua atuação por Sócrates lhe rendeu uma indicação a Melhor Ator no Independent Spirit Awards, maior premiação do cinema independente mundial. Malheiros foi o primeiro brasileiro indicado na história do prêmio. Um lugar extremamente complicado de ser alcançado, mas na qual colocava seu nome sob ainda mais holofotes internacionais.
Ele acabou não vencendo. Contudo, a derrota não foi motivo algum de tristeza, visto que aconteceu para Ethan Hawke, em No Coração da Escuridão. A disputa ainda se deu com John Cho, Joaquin Phoenix e Daveed Diggs. Christian tinha, obviamente, a intenção de ganhar. Porém, o aprendizado foi seu maior presente.
“Eu acho que a competição é só mais um artifício da coisa. O motivo daquele evento é, para mim, colocar todo mundo que fez um trabalho de certa relevância em contato. O momento da celebração é muito mais importante que a competição”, ele fala. “Eu acho que essa coisa das pessoas saberem quem eu sou, ter contato com outras culturais, desbravar o nome do filme e dar nomes é o que realmente importa. Eu acho que é um ganho a todos só de estarem indicados, embora eles [americanos] sejam competitivos né? [risadas]”.
A carreira de Christian então teve uma total modificação. O dia a dia dos teatros não foram abandonados, tanto que o mesmo estava em exibição com o espetáculo Fedra a pouco tempo no CCBB de Belo Horizonte. Contudo, ele entrou de vez nas gravações com as câmeras, transformando-se em um dos protagonistas de Sintonia, mais nova produção brasileira da Netflix.
O convite não veio diretamente. A fase do ator estava em baixa, com poucos convites, quase nenhuma resposta, baixa autoestima. A oportunidade apareceu em um desses dias comuns, quando uma contratadora do elenco entrou em contato com ele via Instragram pedindo o envio de material. Ele enviou, foi chamado para o teste, mas acabou não comparecendo. Na semana seguinte, ele ligou dizendo ‘ou você vem ou vou até aí te buscar’. Ele foi e o resultado estará em telas agora em agosto de 2019.
“Tem um frio na barriga por ser um projeto da Netflix, mas também tem uma certa satisfação. Por todo mundo envolvido, foi criado com muito carinho para tudo dar certo. Claro que nem tudo deu certo, mas a gente tentou. Hoje eu tenho um certo respaldo de tudo que a conheceu. Tem o frio na barriga, mas a sensação de realização”, conta.
O projeto é uma parceria do produtor musical Kondzilla, com um dos canais mais acessados do Youtube, e o canal de streaming. É a primeira, na qual irá retratar uma mistura entre funk, política, amizade e violência.
Malheiros viverá um dos personagens protagonistas de toda essa situação. Ele contracena com MC Jottapê e Bruna Mascarenhas. Seu personagem é Nando, que deve estar em um eixo mais relacionado a violência dentro das comunidades. Questionado como poderia descrever seu personagem, Malheiros foi bem direto.
“Ele é cara muito inteligente, cheio de responsabilidade, que tem um pensamento muito rápido, que consegue se articular muito fácil, sedutor, que consegue seduzir quando quer alguma coisa. Para mim, é um personagem muito forte”, relata. “É um personagem que sabe das usas responsabilidades, sabe das suas fraquezas, sabe como se portar, sabe se comunicar, mas muito jovem, tendo que levar uma carga grande nas costas.”
As temáticas, no entanto, ainda vão além. O paulistano ainda comentou, ao tratar sobre a participação de Kondzilla, que os assuntos acabam tendo muito sobre a vida desse. Ou seja, é possível esperar muito sobre “a igreja (ele é religioso), o funk (ele é produtor) e o crime (ele conhece bem, já que veio de favela).”
Mesmo com seu alto envolvimento nas produções culturais, o futuro não parece ser tão bom assim. Desde a entrada do presidente Jair Bolsonaro, os cortes relacionados a área cultural e artística tem sido constante, desde a paralisação da ANCINE (Agência Nacional de Cinema) até mudanças na Lei Rouanet. Christian, apesar disso, não enxerga esse instante sob uma ótica negativa. Porém, muito menos positiva.
“Então, o que eu vejo para o audiovisual é muita luta, muita batalha, muita força e muita resistência. Não olho pro [sic] futuro com negativismo, mas também nem muito positivo. Vejo que a gente tem uma batalha muito grande pela frente para se manter em pé, se manter autônomo, se manter independente. E para existir, porque estão fazendo uma força muito grande para a gente não existir”, Malheiros fala. “Eu me vejo nessa luta, já estou dentro dela, com muita força, muita garra e muita luta. Em tempos de Vingadores, fazer cinema de arte é luxo”.