Baco Exu do Blues e o sentido de ser Bluesman

Logo nos primeiros momentos de Bluesman, novo álbum do rapper Baco Exu do Blues, ouve-se a frase “Tudo que quando era preto era do demônio; E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues; É isso, entenda; Jesus é blues”. Com esses versos, que compõe a faixa título, Baco já relata de forma direta a temática abordada. O objetivo aqui é falar sobre como a ideia do blues revoluciona e demonstra um sentido de ser negro. Ele aborda diferentes temáticas mais pessoas ao longo do trabalho, porém tudo é composto por quem o músico é. Ou seja, um “Bluesman”.

Dentro da canção de abertura, é composto um conceito bem claro. O ponto é baseado em uma subversão de arte, trazendo uma nova perspectiva para se falar. Para ilustrar isso, o Exu do Blues remete a personalidades como Basquiat, Cristo, Pantera Negra e até Barack Obama. Aliás, essa redefinição fica ainda mais clara nos versos “Racista filha da puta, aqui ninguém te ama; Jerusalém que se foda, eu tô a procura de Wakanda”. É a procura por uma abordagem nova, uma abordagem negra de mundo. É nesse instante também que as batidas fazem pequenas brincadeiras com esteriótipos negros, como o som da arma sendo carregada, trabalhando através da subversão.

Na sequência, o álbum muda sua direção. Se, inicialmente, o eu-lírico falava para todo um povo, agora ele busca se entender. O rapper disse em entrevistas que essa produção falava muito de dilemas enfrentados por ele. É algo similar ao trabalho feito por Kendrick Lamar em DAMN, onde ele sai da abordagem abrangente de To Pimp a Butterfly e entra em uma auto-reflexão. “Queima Minha Pele” fala sobre a depressão que atingiu o cantor após o estopim de sua carreira. A participação certeira de Tim Bernardes (vocalista do O Terno) ainda deixa todo esse tratamento ainda mais melancólico, ao falar no refrão “Amor, você é como o Sol; Ilumina o meu dia, mas queima minha pele”. É mais do que um sofrimento, é um fardo a ser carregado na faixa.

A continuação com “Me Desculpa Jay-Z” não foge em nada dessa relação depressiva. Apesar do tratamento aqui ser dado mais à bipolaridade, algo feito inteligentemente de forma rítmica e rimada em momentos como “Eu amo tanto você, sorrio ao te ver/Eu não gosto de você, sorrio ao te ver”. Aqui, embora Baco busque a perfeição a qualquer custo (exemplificado na analogia com Beyoncé), ele está mais “entre tirar sua roupa e tirar minha vida”. Com rimas e falar mais diretas, existe uma espécie de culpa amargurada na voz do cantor.

Foto por: Daryan Dornelles

“Minotauro de Borges” e “Kanye West da Bahia” representam um fortalecimento mais pessoal, um amor próprio, se contrapondo bastante as duas anteriores. Enquanto na primeira, a letra fala sobre como o rapper consegue se manter no topo sempre (“Negro correndo da polícia com tênis caro; Tipo Usain Bolt de Puma não paro; Correndo mais que os carros; Eu não fui feito do barro; Pisando no céu enquanto eles se perguntam: Como esse negro não cai?”). Ele parece estar sempre figurando no topo, a ponto de sua ‘morte’ representar dinheiro e dos museus representarem ele com mármore negro. Musicalmente, inclusive, essa música possui uma levada misturando rap, funk e samba, que são as origens de tudo para essa figura chegar ao topo. Entretanto, toda essa grande performance mascara sua fonte de criatividade: a depressão. A vitória faz dele um vilão pelo simples fato de ser quem é. Por isso, no final da canção, a dualidade impera para Baco, com “Você me mata ou eu me mato primeiro”. Já na segunda, o cantor se compara ao rapper Kanye West, como alguém que alcançou um status gigantesco ainda que ninguém goste dele apenas pelo fato de ele não abaixar a cabeça para uma estrutura vigente (“Eu sou o preto mais odiado que você vai ver”). Ele sempre constrói a imagem dessa figura, onde as batidas criam um sentido de grandiosidade, entendendo o próprio Kanye. Essa imagem chega ao máximo quando ele relata o espancamento a Jesus pelo fato de querer ser branco, uma analogia para o fato da cor negra ser a mais importante de tudo aqui (Não me chame de preto bonito; Preto inteligente; Preto educado; Só de pessoa importante; Seu rótulo não toca na minha poesia). Após isso tudo ele, no fim, se transforma na imagem dessa pessoa odiada, mas totalmente valorizada (Kanye West) da Bahia.

“Flamingos” e “Girassóis de Van Gogh” retomam a abordagem direta para falar de si mesmo. Aqui, Baco traz novamente ritmos mais leves, quase um rap mais suave mesmo, para falar de dependência pessoal e suicídio. Em “Flamingos”, ele já deixa claro a temática nos primeiros versos, em “Me deixe viver ou viva comigo; Me mande embora ou me faça de abrigo”, como se não pudesse existir uma outra opção para a pessoa. Essa abordagem, mais uma vez, traz a ideia de um eu-lírico totalmente fora de si, depressivo. Já “Girassóis de Van Gogh” –  que não destoa tanto na musicalidade com a anterior – traz o artista totalmente passivo das situações e pessoas passando pelo seu caminho ( “Cê tem uma cara de quem vai fuder minha vida; O seu olhar é um caminho sem saída; O seu corpo é um caminho sem saída; Então só entro”). Há uma aceitação de derrota, um sentimento total dentro dessa tristeza cotidiana.

A penúltima faixa, “Preto e Prata”, Exu do Blues traz novamente uma batida próxima ao funk, mas agora com mistura de elementos musicais africanos. Aqui, é tudo mais direto com, de novo, ligando novamente o elemento da arma à população negra, com a brincadeira da onomatopeia de tiros (o famoso “tá tá tá tá”). Aqui, o barulho de tiro é metafórico e representa essa relação mais direta de fala para esse final. O cantor sai da ideia do singular, como anteriormente, e vai para o plural, falar que os pretos são prata, por serem tão reluzentes quanto o ouro (analogia para as pessoas brancas), mas não tão valorizados. É intrigante como essa questão se torna quase um cerne de todo o trabalho, da valorização da cor negra, de ser direto para buscar entender. Assim como ele diz em “Kanye West da Bahia”, é necessário sentir a África para entender a posição do negro. Ainda há tempo para uma brincadeira e outra analogia a uma canção anterior, dessa vez “Minotauro de Borges”, no ponto que o rapper não se curva a ninguém, apenas “pra chupar minha mina”.

“BB King” fecha todo o álbum de forma apoteótica. Inicialmente, ele continua seu flow de forma direta, se sentindo uma representação de algo muito maior, por isso até fala “Kerouac fiz uma rima pra sua geração beat”. Essa faixa ainda demonstra uma reflexão do próprio cantor, depois de toda sua depressão, sentindo a necessidade de se sentir bem com tudo, como o falado em “Cê entrou duas vezes pra história em dois anos; Só com 22 dois anos; Você rima como se fosse o BB King solando; Autoestima, eu te amo”. Todavia, tudo é levado para o momento final falado sobre o blues e a força do negro dentro da criação desse ritmo (“O mundo branco nunca havia sentido algo como o blues; Um negro, um violão e um canivete; Nasce na luta pela vida, nasce forte, nasce pungente; Pela real necessidade de existir”). O eu-lírico se entende como alguém que é a única pessoa podendo falar de si mesmo, como cada um é quem sabe por tudo o que passa. Porém, acima de tudo, ele completa o conceito do título Bluesman, como alguém que não se encaixa ao que esperam, uma pessoa fora do comum, como o nascimento do blues.

Bluesman é um dos melhores álbuns do ano. Baco Exu do Blues faz uma mistura de estilos e maneiras de rimar para criar algo único, apesar de o principal ser a mensagem que ele deseja passar. Baco quer falar sobre o sentido de ser negro no mundo e, para isso, ele usa as mais diversas referências, além de si próprio. A prata aqui é o mais importante de tudo. É uma maneira de subverter, assim como o blues. O nome artístico do rapper mostra como ele é uma mistura dessa presença do negro, com dinheiro, fama e subversão. E é isso que é ser um bluesman.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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